AS PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO VALE, DO ESTADO E DO BRASIL
Sábado, 18 de Março de 2023

No último dia 9 o prefeito de Blumenau, que acaba de assumir novamente a presidência da Associação dos Municípios do Vale Europeu (Amve), onde são produzidos 30% do PIB catarinense, recebeu o Análise em Foco para uma entrevista de 17 perguntas, nas quais foram abordados temas de interesse local, regional e nacional.

A duplicação da BR-470, principal demanda da região segundo Mário Hildebrandt, esteve entre eles. A promessa do governo federal de concluir a obra (entre Indaial e Navegantes) até o fim deste ano abre uma perspectiva positiva, mas, conforme ele mesmo observa, prazos anteriores já foram descumpridos em diferentes momentos de sua execução.

Barragem

Sobre a operacionalização da barragem de José Boiteux, no Alto Vale do rio Itajaí-Açu, lembra que qualquer solução para o problema passa pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo governo federal. Construída entre os anos 1970 e 1980 para reter parte da água despejada pelas chuvas mais fortes e reduzir em até dois metros a elevação do rio nas áreas baixas da bacia (cujas enchentes já provocarem muitos prejuízos materiais e humanos), a barragem ocupou parte de uma área indígena cuja população espera até hoje por investimentos de infraestrutura prometidos à época para mitigar os impactos da construção. Sem receber o que lhes foi prometido, agora promove ocupações e impede o funcionamento da estrutura. Um que certamente renderá reconhecimento a quem for capaz de desatá-lo. Tratativas, segundo o presidente da Amve, estariam em curso e o funcionamento da estrutura seria uma questão menos complexa do ponto de vista técnico.

Em relação a Blumenau o prefeito destaca os desafios de mobilidade urbana e rebate comentários de que um suposto desligamento de reservatórios estaria agravando problemas na distribuição de água tratada, cujo fornecimento vem sofrendo interrupções frequentes em algumas regiões da cidade. Também defende a municipalização de trecho urbano da rodovia estadual Pedro Zimmermann, que corta a região Norte de Blumenau causando enormes transtornos pela falta de adequação.

Cobrança  

Mário Hildebrandt fala ainda sobre o futuro do Brasil, critica aspectos da reforma tributária e comenta os atos golpistas de 8 de janeiro. Do governo estadual cobra regularização de repasses previstos no projeto de investimentos denominado Plano 1000, elaborado na gestão passada.

Confira, abaixo, íntegra da entrevista do ex agricultor, ajudante de pedreiro e agente funerário que fez da política trampolim para grandes conquistas:

FALA, PREFEITO

Análise em Foco – A Amve cobrou mais celeridade nos repasses do Plano 1000 para agilizar obras importantes para a região. Qual a expectativa dos prefeitos em relação a esse pleito?             

Mário Hildebrandt: A Amve não cobrou celeridade, a Amve cobrou continuidade dos repasses em relação ao Plano 1000. Qual é a continuidade? Das obras na qual já foi feita a prestação de contas e deveria ser depositada uma nova parcela. Ou seja, a obra já está em andamento, as empresas estão executando e precisam dessa segunda parcela para não parar. Blumenau tem 18 obras no Plano 1000 e cada um dos municípios, alguns tem uma, outros tem duas, outros tem três, são várias obras aqui, são cerca de 145 milhões de reais ainda de saldo para receber na região do Vale Europeu. E a cobrança nossa foi de continuidade. O governo do Estado assumiu o compromisso de fazer uma avaliação quanto antes em relação a isso. E a retomada, lá na reunião do Cleverson (Siewert, secretário da Fazenda), eles tinham nos informado que seria até metade de março. Já estamos chegando à metade de março (a entrevista foi gravada no dia 9/3) e ainda não temos uma posição oficial. Foi o que nós também colocamos ao secretário-geral. Esperamos que não tenha novos empecilhos que vão atravancar e atrasar ainda mais, porque obra parada é mais custo, mais dinheiro, mais desembolso para as cidades. Aqui lembrando, cidades menores têm grande dificuldade de assumir algum valor, complementar aquilo que já está no contrato, até porque o orçamento deles é na base de FPM (Fundo de Participação dos Municípios, através do qual a União repassa parte do orçamento às cidades), repasses pequenos e eles não teriam a mínima condição de fazer com que isso acontecesse na sua cidade.

AeF Se precisasse escolher uma entre as prioridades da região, qual obra consideraria a mais decisiva para o desenvolvimento do Vale?  

Hildebrandt: BR-470, obra que já está há mais de 30 anos atrasada, a duplicação dela, ela é o vetor de crescimento da região.Tenho certeza que se nós tivéssemos ela duplicada hoje, aqui na região do Vale Europeu, nós teríamos outro Vale Europeu, na questão de empreendedorismo, na questão de empresas, desenvolvimento econômico e, sem dúvida nenhuma, no turismo. Porque as pessoas que querem vir para uma experiência, elas também querem facilidade de acesso. E a não duplicação traz, além do risco, dificuldade das pessoas estarem conosco.

AeF – O senhor falou anteriormente (a gravação da entrevista precisou ser recomeçada em função de uma falha no gravador de voz) sobre a necessidade de já se pensar na continuidade da duplicação, além de Indaial, em direção ao Alto Vale do Itajaí e ao Planalto Serrano...

HildebrandtSim, nós estamos discutindo isso já, inclusive, se tudo der certo, dia 20, teremos uma reunião organizada com a ACIB (Associação Empresarial de Blumenau), na qual o nosso objetivo, enquanto a ACIB e associações comerciais do Vale Europeu, da Amave e da Amfri (Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí), é podermos acelerar o processo de duplicação e, claro, estimular a questão da continuidade das obras de melhoria da BR-470, com duplicação ou com terceira faixa até o final dela, porque ela é, sem dúvida, o corredor de desenvolvimento e de produção que vem para o nosso porto de Itajaí, que vem para as nossas cidades.

AeF – Qual a perspectiva para conclusão da obra entre Indaial e Navegantes? Pode ser concluída no curto ou médio prazo?

HildebrandtHá uma promessa do governo federal dada ao governador Jorginho, ao deputado Chiodini (Carlos) e vários outros deputados federais da bancada de Santa Catarina, de que até o final desse ano essa obra seria concluída. Bom, desde o início nós já temos recebido promessas e informações de que essa obra seria concluída. Vamos continuar cobrando, nós não estávamos lá nessa agenda, então como foi uma agenda voltada para a frente parlamentar, nós ficamos sabendo pelos deputados e pela imprensa do resultado dela.

AeF – A relação antagônica do ponto de vista eleitoral do atual governador de Santa Catarina com o governo federal pode interferir no ritmo dos repasses e na velocidade de conclusão da obra?

HildebrandtNós temos que parar de interpretar o Brasil pelo período eleitoral. O período eleitoral já passou e acho que agora cabe ao governador Jorginho e ao presidente da República Lula fazer com que o Brasil atenda Santa Catarina e o governador do estado atenda toda a população, independente da sua visão em relação ao processo eleitoral. Cabe aqui, e eu não vejo nesse momento, nenhuma movimentação contrária do governador Jorginho. Na realidade a visão dele tem sido de fortalecer Santa Catarina e os debates que eu tenho visto dele em Brasília são de buscar ações e recursos do governo federal aqui para o estado, independente da sua posição ideológica.

AeF – A barragem de José Boiteux, indispensável para a segurança climática da região, tem alguma chance de voltar a operar?  O que falta para isso, recurso ou boa vontade das partes?

HildebrandtNós temos um imbróglio gigantesco na barragem José Boiteux que se chama Reserva Indígena. Esse imbróglio passa pela FUNAI, esse imbróglio passa pelo governo federal, esse imbróglio passa por solução de promessas que não foram cumpridas na construção da barragem e que a Reserva Indígena, na minha opinião, cobra com razão. Só que a razão deles também não tira a nossa razão de estarmos preocupados com a implicação da barragem não funcionar. Existem estudos que dizem que a barragem em não operação e se as chuvas acontecerem para aquela região pode significar, dentro de Blumenau, por exemplo, dois metros a mais de água. Então, nós temos que estar cobrando e na última segunda-feira, com a presença do secretário de Estado e Defesa Civil aqui, nós efetivamente cobramos a solução desse problema. Ele disse que esteve já há duas semanas atrás em uma reunião na Reserva Indígena para discutir essa situação e está buscando, com o apoio do governador Jorginho, a solução para que a gente possa atender a demanda e resolver o problema dessa tribo indígena e também, ao mesmo tempo, a barragem José Boiteux. A fala é que, independente das obras, ela é operacional, ou seja, eles têm um equipamento contratado que faz ela funcionar diante desse cenário.

AeF – De que forma a Amve tem atuado em favor destas duas demandas (duplicação da BR-470 e operacionalização de José Boiteux)?

HildebrandtNa verdade, nós temos nos envolvido nos mais diversos debates, não só eu, o presidente anterior e o anterior a mim, sempre buscando, junto com todos os prefeitos, a construção do debate e a solução desses problemas. Então, basta olhar aí as pautas, a Michele (Prada, assessora de imprensa da Amve) pode passar depois, os momentos que a gente trouxe. Inclusive no manifesto (Manifesto pelo Desenvolvimento do Vale Europeu, lista com prioridades de investimento para a região), isso já está colocado, não por nós, pela população.

AeF – Em relação a Blumenau, qual é o principal desafio da cidade?

HildebrandtO principal desafio da cidade é, sem dúvida, como todas as cidades em crescimento, a mobilidade e, ao mesmo tempo, a sustentabilidade e a geração de emprego e renda para a nossa população. E aí, desdobrando isso, vai desde a melhoria na educação, na saúde, na assistência social e, claro, o turismo como um vetor de crescimento e desenvolvimento. Mas eu entendo que o turismo não deve ser mais discutido só como Blumenau, tem que ser discutido no Vale Europeu, é isso que eu tenho batido desde o início.

AeF – O abastecimento de água na cidade vem sofrendo críticas após sucessivas interrupções no fornecimento. Uma das causas apontadas pelo Samae é a turbidez elevada do rio Itajai-Açu, mas há quem reclame também da suposta desativação de reservatórios feitos para dar mais regularidade ao sistema. O que, afinal, tem atrapalhado mais a oferta de água no município?

HildebrandtNão tem nenhum reservatório desativado, todos estão funcionando. Isso é um sistema que não funciona individualmente, ele funciona no total. Ou seja, os reservatórios estão interligados, é uma rede que funciona interligada. E quando você tem uma água com turbidez, parece até um nome bonito, mas literalmente é lodo, lama. Então, para quem está em casa e vai ler essa matéria, turbidez é lodo, lama. Então é difícil você filtrar uma água nesse sentido. E claro, aí a população reclama com razão. Desde que a estação de tratamento foi construída, não há perspectiva de investimentos. E nós, na nossa gestão, estamos trabalhando nesses investimentos, tanto na questão da captação, como na nova estação de tratamento. São investimentos altíssimos que nós estamos preparando ali e devemos lançar o processo de estatuagem da estação, da captação nova de água agora e logo na sequência, melhorias na atual estação de tratamento, mas logo na sequência, uma estação de tratamento nova para a cidade.

AeF – A municipalização da rodovia Pedro Zimmermann é alternativa para melhorar sua condição?

HildebrandtSem dúvida. Ela é um dos caminhos. Teremos uma reunião em breve aqui em Blumenau, para discutir esse assunto. Inclusive tem investimento previsto por Blumenau já para essa rodovia.

AeF – De quanto?

HildebrandtSão cerca de 200 milhões de reais.

AeF – Já disponível?

HildebrandtSim, pelo Fonplata (Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata), contrato já assinado.

AeF – E o Brasil, como deve ficar nos próximos quatro anos, na sua opinião?

HildebrandtEu espero que ele continue crescendo, que o governo federal estimule o desenvolvimento da economia para que a gente possa, de fato, atender a demanda da população. Isso nas mais diversas áreas. Que os juros diminuam, que a inflação siga estável, que o governo federal pare de ficar falando coisas que não têm sentido, para até desmotivar o investimento, para que a gente tenha uma economia forte e pungente, como até aqui tivemos. Houve, nos quatro anos do presidente Bolsonaro, redução de desemprego. Houve, nos quatro anos do presidente Bolsonaro, estabilidade econômica. Apesar da guerra, apesar de tudo isso, nós tivemos uma inflação menor do que em países em desenvolvimento e isso precisa ser reconhecido e registrado, que é mérito do governo Bolsonaro.

AeF – O atual governo tem condições de aprovar reformas importantes, como a tributária e a administrativa?

HildebrandtQue reforma é importante você discutir? O que é a reforma tributária? Qual é a reforma tributária que queremos? Para que ela serve? Como ela vai ser desenvolvida? Esse é um debate muito longo. Eu, inclusive, vou estar em Brasília dias 13, 14 e 15, na reunião da Frente Nacional de Prefeitos, onde nós vamos discutir reforma tributária, reforma fiscal, porque tirar a reforma tributária do modo como ela está querendo ser feita, tirar a receita dos municípios para dividi-la para outros entes federados, e a população continuar morando aqui e a gente não ter receita para atender a população é fácil. Tirar o ISS e levar ele para outra esfera é fácil. Então, a reforma tributária tem que ser um elemento de facilitação e não de tirar receita daqueles que, de fato, atendem a população. Esse é o nosso maior desafio em relação à reforma tributária que se discute. Então, que reforma temos? Que reforma queremos? E aonde ela vai impactar? Por exemplo, e aqui eu não estou dizendo que foi errado, mas se falou e se fez a redução do ICMS sobre combustíveis. Ela foi importante para a economia e ninguém está dizendo que ela não foi. Ela foi importante para a redução da inflação e ninguém está dizendo que ela não foi. Mas só em Blumenau ela impactou, em 2022, 2023 e 2024, R$ 100 milhões a menos em arrecadação (valor que o município deixou de receber como retorno de ICMS). R$ 100 milhões. Isso é dinheiro de quando ela foi aprovada, no segundo semestre de 2022 até o final do meu governo. Então, são R$ 100 milhões a menos em investimento e atendimento da população. E se fala o tempo todo em devolver e compensar os estados. E a compensação para os municípios? Onde é que ela fica? Onde é que está? A realidade acontece aqui? A vida está aqui. Se faltam médicos, eles não vão reclamar do governo do estado ou nem do governo federal. Se é uma cirurgia de altíssima qualidade, o pessoal faz a campanha aqui na cidade para fazer, mesmo que sejam esses remédios importados. Se cobra aqui na cidade. Então, o que acontece? A vida das pessoas está aqui. A pavimentação está aqui, mas só que 67% da nossa receita fica em Brasília, 23% no estado e o resto fica aqui. Essa é a proporção em relação à arrecadação. E desses 12%, 13% que a gente tem aqui, eles querem levar o resto embora. Aí é difícil. Fica difícil você gerir uma cidade.

AeF –  O resultado das eleições do ano passado foi legítimo? O sistema eleitoral é confiável?

HildebrandtOlha, eu fui eleito pelo tal sistema eleitoral.

AeF –  O que achou do episódio de 8 de janeiro? De quem foi a culpa?

HildebrandtEu acho que de quem foi a culpa você tem que descobrir. É um equívoco do governo, porque se ele quer esclarecer, ele tem que deixar com que a coisa aconteça. Eu acho que quem foi culpado é quem efetivamente invadiu, quebrou e destruiu. E talvez quem motivou com que isso acontecesse. E aqui eu não estou dizendo que foi o Bolsonaro. Foi as pessoas que estavam lá e acabaram motivando as pessoas a depredarem o patrimônio público, que não é deles. É de todos nós. É o patrimônio que foi lá. Por mais que eles possam entender que está sendo mal usado e não deixa de ser um patrimônio público. Por mais que eu possa entender que quem está lá sentado não merece estar lá, não deixa de ser um patrimônio público. Por mais que eu possa achar e não gostar do Lula, não deixa de ser um patrimônio público. Por mais que eu não goste do presidente da STF e eu estou falando genéricamente aqui, não é a minha avaliação, não deixa de ser um patrimônio público. Então não cabe a mim destruir esse patrimônio. Isso acontece também e não pode acontecer no município, não pode acontecer no Estado e nem na União. Então o patrimônio, quando se fala público, ele é meu, seu e de todos nós. Então não cabe a ninguém depredá-lo. Eu acho que é essa questão principal que deve ser observada. E, claro, quem cometeu o ato e foi provado que ele cometeu o ato, eu acho que essa pessoa deve, sim, restituir os cofres públicos. Assim como quem picha um prédio público também deve restituir, como quem vai lá e faz uma pichação numa ponte deveria restituir, assim como quem rouba fio deveria restituir da energia, assim como quem pega o carro, bate, embriagado e derruba um posto também tem que pagar a conta ou estoura um hidrante também tem que pagar a conta. Essa é a destruição do patrimônio público, como lá também aconteceu.

AeF – A democracia brasileira está devidamente sólida?

HildebrandtEu acho que a democracia brasileira é sólida. O que ela passa são momentos de posições antagônicas e que estão se manifestando mais do que normalmente se manifestaram. Nós vivemos um momento em que, na democracia, tanto a direita como a esquerda se sobressaíram à questão do centro. E parece que a democracia não é sólida, muito pelo contrário. A democracia também permite que haja uma direita mais forte e uma esquerda mais forte, e que elas se oponham.Só que essa oposição, na minha opinião, deve ser sempre feita com base em responsabilidade, e no campo das ideias e não no campo físico.


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