OPINIÃO DO ANÃLISE
Pareceu até piada pronta, por diferentes ângulos de análise, a tramitação do projeto de lei que propunha redução do salário dos vereadores blumenauenses. Apresentado pelo vereador Jovino Cardoso, do PSD (que até o ano passado era vice-prefeito e como tal esteve envolvido em suspeitas de uso inadequado de recursos públicos), o dispositivo reduziria drasticamente o contra-cheque dos parlamentares de Blumenau, dos atuais R$ 9 mil, aproximadamente, para módicos R$ 3 mil.
Como você deve estar pressupondo, o projeto não foi adiante. Morreu ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que enxergou “vÃcio de inconstitucionalidade†na proposta – clique e confira mais detalhes sobre os argumentos da Comissão. Como se alguém, fora os próprios vereadores, pudesse questionar posteriormente a decisão de reduzir os próprios salários, os legisladores optaram por preservar a “legalidade†dos valores mantendo-os como estão. Procuraram atentamente onde fosse possÃvel uma brecha que pudesse tornar a ideia "inconstitucional". Claro que seria quase irracional imaginar que o projeto pudesse ir adiante, mas inda assim chama a atenção como os “vÃcios de constitucionalidade†e afins sempre aparecem nos projetos que interessam mais ao cidadão do que aos poderes constituÃdos. Fosse para aumentar impostos, fazer suplementação orçamentária, criar taxas ou rever subsÃdios para a função pública, a Constituição certamente seria mais flexÃvel.
Pode parecer pouco, mas se o projeto fosse aprovado o Legislativo economizaria cerca de R$ 90 mil por mês, mais de R$ 1 milhão por ano. Em época de aperto financeiro e fiscal duro como a atual, poderia fazer grande diferença – recursos desta ordem aplicados em escolas e postos de saúde, por exemplo, gerariam grande benefÃcio para a população. Vale lembrar que parte dos vereadores atua profissionalmente em funções paralelas e, portanto, não depende apenas do salário de vereador para sobreviver.
Comprometimento
De qualquer forma, o salário dos vereadores é o que faz menos diferença no orçamento e no trabalho da Câmara. Para o cidadão, na verdade, é melhor ter legisladores bem pagos e comprometidos com o interesse público do que fantoches mal remunerados a serviço das forças espúrias do poder. Também é preciso reconhecer que a Câmara de Blumenau tem uma tradição de gasto relativamente eficiente – pelo menos nunca se soube de episódios onde o dinheiro do Legislativo blumenauense tenha sido jogado para o alto em celebração festiva, como na festa da galinha gorda. O número de vereadores no municÃpio é um dos menores do paÃs proporcionalmente à população e a atual legislatura iniciou o exercÃcio fiscal de 2017 promovendo cortes importantes de gasto, inclusive com verba de gabinete e veÃculos oficiais. São iniciativas dignas de reconhecimento, merecedoras do mesmo destaque que se dá para aquelas que eventualmente mereçam crÃtica.
Que os vereadores de Blumenau possam seguir, portanto, mais comprometidos com o interesse do cidadão do que com o deles próprios. Se não é possÃvel reduzir o próprio salário e gerar economia para o municÃpio, que seja possÃvel atuar de acordo com aquilo que pretende a sociedade em termos de legislação e fiscalização do poder – outra frente à qual a atual legislatura vem dando destaque.
Teste
Um teste de fogo para os legisladores blumenauenses é a tramitação de projeto que permite aos veÃculos do transporte público na cidade circular sem cobradores - nesta terça-feira os vereadores aprovaram dispositivos, propostos pelo Executivo, que abrem espaço para a exclusão dos cobradores em algumas linhas do transporte coletivo, mas de forma ainda tÃmida, o que deve trazer o assunto novamente à tona em futuro não muito distante*. A despeito da questão social envolvida no assunto, não é mais factÃvel, e muito menos aceitável, que se resguarde por lei uma função que, frente aos avanços tecnológicos e logÃsticos obtidos nos últimos tempos, deixou de fazer sentido para muitos usuários e,principalmente, para os gestores do sistema. Em qualquer paÃs desenvolvido, anda-se de ônibus, metrô ou trem sem a presença de cobradores nos veÃculos, o que permite reduzir custos e tornar o sistema mais acessÃvel, assim como estimulante.
É evidente que não se deve fechar os olhos para a questão social envolvida no processo. Mas ao poder público cabe dar condições para que os trabalhadores eventualmente desligados do serviço pela automação possam se preparar para buscar outro tipo de colocação, no próprio sistema de transporte ou em outros segmentos – Blumenau é uma cidade sempre à procura de mão-de-obra qualificada para os muitos postos de trabalho que oferece. Neste contexto, oferecer cursos de qualificação gratuitos, por exemplo, vai ajudar bem mais que manter empregos à força de lei.
Também não se trata de defender que os ônibus passem necessariamente a circular sem cobradores a partir da flexibilização da lei. Apenas de prever a possibilidade de que, diante do uso cada vez mais frequente do passe eletrônico, algumas linhas e horários possam circular sem a cobrança “analógicaâ€.
* Trecho inserido após a publicação, para complementação de conteúdo
Jogada
Voltando à proposta de redução dos salários, fica a dúvida: teria o Jovino Cardoso jogado só para a torcida, propondo uma lei que, de antemão, sabia que não passaria? Afinal, idiota, inexperiente ou mesmo inocente sabe-se que ele não é. Macaco velho da polÃtica municipal e do Legislativo, do qual já foi até presidente, o esperto e astuto vereador teria todos os elementos à mão e à cabeça para imaginar que uma proposta como a sua dificilmente iria a diante.