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MORTE DE POLICIAIS CONSTERNA, MAS CAUSA ESTà DENTRO DA PRÓPRIA POLÃCIA
Segunda-Feira, 14 de Agosto de 2017

OPINIÃO DO ANÁLISE

O Brasil vem assistindo nos últimos dias a uma verdadeira caçada a policiais – principalmente militares – no Rio de Janeiro. Em média, um policial é assassinado a cada dois dias. Considerando que o efetivo da Polícia Militar do RJ é de 45 mil homens e mulheres, passou a ser possibilidade nada remota ser assassinado por usar farda no estado, em especial na capital, onde o acirramento da violência é maior. Em calculo aproximado de quem não domina fórmulas de probabilidade, seria algo em torno de uma em 90 mil a chance de um policial fluminense ser assassinado ao longo de trinta dias de trabalho. A chance de acertar na Sena, por exemplo, é uma em 50 milhões. Com base nesta comparação, daria para dizer que é quase uma roleta-russa ser agente da lei no Rio de Janeiro.

Mas, a despeito de toda a consternação provocada pela morte dos policiais, que deixam famílias e sonhos para trás, é preciso encarar de frente o problema para encontrar as soluções necessárias. As bravatas de sempre não vão resolver nada e a situação só vai piorar com elas.

O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Roberto Sá, fez desabafos através da mídia argumentando que é preciso rever o Código Penal para evitar que bandidos presos pela polícia sejam soltos e cometam mais crimes, entre os quais o assassinato de policiais. Isso até é verdade e pode ter alguma influência nas estatísticas, mas, definitivamente, não é a principal causa da matança indiscriminada que está dizimando policiais ao ritmo de uma epidemia no RJ. É preciso ir além dos “protocolos”, sobre os quais ele falou em defesa da corporação.

Carnificina

O que realmente coloca o crime organizado em guerra contra a polícia no mais brasileiro de todos os estados é o enfrentamento entre a banda podre da PM e os cartéis do tráfico, que perderam terreno para as milícias formadas por policiais corruptos nas áreas socialmente degradadas da Cidade Maravilhosa e região metropolitana. Em batalha não declarada mas explícita, o resultado é a carnificina que tira a vida de milhares de pessoas todos os anos, muitas delas inocentes. Para cada policial morto no RJ, morrem 33 civis, segundo as estatísticas – nos seis primeiros meses de 2017 morreram 85 policiais e 2.876 civis. São Paulo, que tem população três vezes maior, teve quase quatro vezes menos morte de policiais (22). Santa Catarina, que tem pouco menos da metade da população do Rio de Janeiro, não teve um único policial morto este ano – reflexo, entre outros fatores, da postura e da conduta dos policiais catarinenses.

Inflando as estatísticas negativas da Guanabara, obviamente, estão as mortes da linha de frente entre milicianos e traficantes, que transformaram o RJ em território de disputa. No fogo cruzado entre eles, estão as vítimas das balas perdidas e da insegurança pública que o confronto provoca. Trata-se de um roteiro mais complexo e com variáveis adicionais, evidentemente, mas, em sua espinha dorsal, esta é a trama.

Polícia X Polícia

Por isso não adianta achar que o Rio terá mais segurança só com o Exército na rua ou com "inteligência", como disse o Ministro da Defesa. Muito menos com desabafos aparentemente emocionados de uma autoridade. Como está hoje o aparato de segurança pública do estado, pode colocar um policial para cada um dos 16 milhões de cidadãos fluminenses que não vai adiantar.

Neste contexto é preciso encarar de frente a seguinte constatação: a polícia do Rio de Janeiro precisa enfrentar a ela própria antes de enfrentar ao crime. Sem combater sua banda podre para tirar os policiais corruptos de circulação, não vai haver força nacional que diminua a violência por lá. Esta é a realidade a ser encarada. Fugir dela é fazer como aquele alcoólatra que vive na sarjeta mas diz que bebe socialmente e para quando quiser no momento em que a família e os amigos tentam ajudar.

Infelizmente, contudo, parece bastante improvável imaginar o combate à corrupção na polícia num cenário de corrupção escancarada no governo, com um ex-governador preso, acusado em uma penca de processos, e um governador que representa a sucessão do mesmo projeto corrupto. Ou os eleitores do RJ mudam na hora de votar ou, daqui a pouco, vão precisar de intervenção no estado para tirá-lo do caos.

Reflexo nacional

Vale lembrar que os problemas de má gestão e insegurança pública do Rio de Janeiro não afetam só o estado. Afetam a todo o país, de diferentes formas. Primeiro contaminando as contas públicas da União, afinal o desequilíbrio fiscal de um federado e a necessidade de ajuda constante, como ocorre no RJ e em outros estados, gera custos e prejuízos para o Erário como um todo. Na hora de acertar a conta, ela acaba dividida com todos os contribuintes.

Em segundo lugar, a insegurança do Rio afeta negativamente a imagem do Brasil como destino turístico. Afinal, é a cidade mais visitada do país por turistas estrangeiros, é nosso principal cartão postal – quase ninguém lá fora sabe que existem Brasis e Brasis dentro do Brasil. Que o Brasil do Sudeste é completamente diferente do Brasil do Sul ou do Nordeste.

Então é preciso olhar para o RJ como um problema nacional, mas que precisa ser resolvido por iniciativa do povo fluminense – pelo menos no melhor dos cenários. Pensemos, todos, seriamente nisso, antes que seja tarde demais.




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