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O PRESIDENTE QUE GOVERNA PARA SI MESMO
Quarta-Feira, 27 de Setembro de 2017

Defender publicamente a aposentadoria especial para deputados federais e senadores, por si só, já é algo que não combina muito com interesse público. Mas colocar a Advocacia Geral da União a serviço da manutenção deste privilégio injustificável é gesto que desafia qualquer limite tolerável para as atribuições do chefe de Estado de uma nação subdesenvolvida, desigual e anacrônica como o Brasil, em que a corrupção é endêmica e a concessão de benefícios na esfera pública afronta o trabalhador comum, castigado pelo desemprego, pelos baixos salários e pelos serviços públicos de qualidade insatisfatória.

Por isso, quando o presidente Michel Temer (PMDB) aciona a AGU para derrubar uma ação do ex-procurador Rodrigo Janot, que corre no Supremo Tribunal Federal para acabar com as aposentadorias especiais do Congresso, age flagrantemente contra o interesse público, contra as expectativas do cidadão, contra qualquer apreço pelo espírito republicano – e principalmente contra o princípio da independência dos poderes. É praticamente um escárnio, um deboche, uma zombaria para com os anseios dos brasileiros. Afinal, a parte da sociedade formada por cidadãos de bem deseja construir um meio social mais justo, sem divisões de casta, sem privilégios injustificáveis para quem cuida (ou deveria cuidar) do patrimônio e do interesse público. Neste contexto, a concessão de aposentadorias especiais, para qualquer categoria de servidor público (incluindo representantes eleitos do cidadão), é tão inadmissível quanto condenável. Quando defendida pelo presidente da República, então, passa a ser quase uma obscenidade.

Pelo regime especial dos parlamentares, chamado de Plano de Seguridade Social dos Congressistas, um deputado federal ou senador que tiver 60 anos de idade e 35 de contribuição como parlamentar pode se aposentar com salário integral de R$ 33 mil. Se exercer menos tempo de mandato mas contribuir para outros regimes previdenciários, como os institutos estaduais de previdência ou o INSS, pode juntar as duas coisas e obter uma aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição. Atualmente a média das aposentadorias  de ex-deputados, considerando os que se aposentam proporcionalmente, é de R$ 14 mil. Com um detalhe: ao contrário do que acontece com os trabalhadores da iniciativa privada, cujo teto de aposentadoria é de R$ 5,5 mil, todo reajuste concedido aos deputados e senadores da ativa é repassado às aposentadorias. E mais: após a morte do parlamentar, a viúva ou filhos até 21 anos continuam recebendo o benefício. Um sonho intangível para o trabalhador comum, que trabalha duramente oito horas por dia ou até mais.

Silêncio

Infelizmente, o silêncio que neste momento impera nas ruas da bastante força à causa daqueles que querem usurpar as riquezas da sociedade em vez de contribuir para ampliá-las.  Quando os cidadãos assistem passivos ao desfile da pilantragem, como acontece hoje, os pilantras não só se sentem fortalecidos para continuar desfilando como se motivam ainda mais a seguir se locupletando com seus atos nada republicanos.

A Advocacia Geral da União, como o próprio nome diz, deve servir para a defesa jurídica dos interesses da União, ou seja, do povo brasileiro. A serviço de Temer, contudo, está sendo usada como mais uma moeda de troca para evitar denúncias no Congresso e manter o peemedebista no poder. É a dependência dos poderes novamente a serviço dos mais condenáveis fins.

Se você é daqueles que fazem vista grossa aos atos do presidente só porque não deseja correr o risco de ter o PT de volta ao poder, portanto, saiba que neste momento o novo titular do Palácio do Planalto está causando tanto mal ao país quanto os petistas e sua trupe causaram anteriormente. Ao que há de mais sórdido a seu alcance, Temer tem recorrido, sob um silêncio sintomático e complacente da sociedade. Onde estão os movimentos que supostamente deveriam lutar pela moralização da administração pública no Brasil? Onde estão aqueles que lutaram pela queda do antigo projeto de poder, sob o argumento de que ele era inaceitavelmente corrupto?

Trincheira

De repente parece que passou-se a aceitar o argumento de que os fins justificam os meios, em contradição ao que se pregava antes – afinal, o principal argumento da insurgência contra o modelo petista de gestão foi o de que seus fins não justificavam seus meios. O fim, agora, seria a manutenção do PT longe do poder, e o meio a manutenção de Temer, de sua quadrilha e de seus métodos nada republicanos no comando da nação. A presidência da República, de repente, transformou-se numa espécie de trincheira, onde aqueles que deveriam ser combatidos resistem com o apoio de quem deveria combate-los.

Definitivamente, este não é o melhor caminho para o Brasil se reinventar e colocar sua locomotiva, enfim, nos trilhos do desenvolvimento social e econômico.




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