Análise em Foco > Personalidade
A REVOLUÇÃO FRANCESA DO SÉCULO 21
Segunda-Feira, 12 de Janeiro de 2015

EDITORIAL AeF


Os protestos que levaram cerca de 3,7 milhões de pessoas às ruas da França neste domingo são prova cabal de que o mundo não quer mais guerra nem intolerância. A sociedade quer, sim, liberdade, fraternidade e, dentro do possível, igualdade. Os ideais pelos quais a própria França tanto lutou durante a revolução do século 18, quando os privilégios da monarquia transformaram-se em benefícios para o povo e os fundamentos da república moderna se solidificaram, continuam tão válidos e latentes quanto o eram nos tempos de Robespierre e Danton.  


Neste contexto, estes grupelhos terroristas (que não merecem sequer a alcunha de fanáticos religiosos, pois não há religião no mundo que defenda a barbárie como liturgia) que espalham o medo e o terror como ferramenta de luta para desestabilizar o Ocidente e as sociedades democráticas possivelmente seguirão dando com os burros na água. Para avançar em seus planos de dominação (no fundo, tudo o que querem é mais dinheiro e poder), precisarão de muito mais que alguns idiotas complexados colocando-se como soldados de Alá - que seguramente deve reprovar qualquer ato de terror.


A estratégia de usar indivíduos mal resolvidos consigo mesmo para atuar como homens-bomba ou assassinos covardes pode até causar burburinhos pontuais, mas jamais será suficiente para fazer do Islã uma potência hegemônica, como acreditam que irá acontecer alguns palpiteiros de plantão. A este seletíssimo grupo, aliás, vale lembrar que a invasão muçulmana da Europa, que eles gostam tanto de prever, já aconteceu há muito tempo, para alegria e satisfação de muita gente de bem que segue a Maomé e Alá por convicção sincera. Só a França, a despeito da covardia do ataque ao Charlie, tem 4 milhões de muçulmanos em seu território, que abriga a maior comunidade muçulmana fora de uma país islâmico.


Oportunidade


E por que estas pessoas foram para a terra da Marselhesa? Por que encontraram lá as oportunidades que não encontraram em seus países de origem, principalmente aqueles do Norte da Ãfrica, Oriente Médio e parte da Ãsia. Foi na Europa que tiveram acesso a um emprego decente, serviços públicos de qualidade, segurança e, sobretudo, um futuro melhor e mais digno que o reservado a elas em suas pátrias-mãe. Afinal, enquanto meia dúzia de assassinos ambiciosos planeja atentados contra o Grande Satã para fazer marketing, o que a população dos países islâmicos quer de verdade é qualidade de vida e prosperidade, nada mais. É o que todo cidadão decente quer, em qualquer parte do mundo, no Ocidente e no Oriente.


Quem for ao La Goutte d"Or, por exemplo, um dos bairros de maior população muçulmana em Paris, terá a impressão de estar andando pelas ruas do Irã ou da Jordânia, países muçulmanos mais estáveis e desenvolvidos. Naquele pedaço da capital francesa, os migrantes islâmicos certamente encontram muito mais qualidade de vida do que em sua terra natal, do contrário não estariam ali.


A França, evidentemente, assim como toda a Europa, também tirou proveito da migração islâmica, que levou trabalhadores dedicados a postos de trabalho relegados a segundo plano pelos europeus, mas absolutamente necessários para fazer girar a roda da economia. Como trabalhadores dedicados também são contribuintes regulares, o Erário também agradeceu a vinda dos islâmicos. Uma sinergia bastante produtiva, com benefícios para ambas as partes.


Os europeus, cabe ressaltar, vêm dando uma contrapartida institucional positiva à imigração muçulmana. A prefeitura de Paris, por exemplo, fez sua parte criando centros de convivência e prática cultural para harmonizar a presença dos muçulmanos na cidade. São abertos ao público e acessíveis a qualquer cidadão.


Rejeição


Por que, então, 73% dos franceses têm uma imagem negativa do Islã e da migração muçulmana que encheu ruas da França na segunda metade do século passado? Possivelmente pelas besteiras que fazem os radicais terroristas, impingindo a todo um povo os danos de imagem provocados por ações covardes e sangrentas como o ataque ao Charlie Hebdo, que matam pessoas inocentes sem absolutamente nenhuma justificativa.


Outra possível causa da imagem negativa do Islã (percebida não só pelos europeus, mas por grande parte da população ocidental) é a postura pouco combativa dos líderes de Estados muçulmanos teoricamente mais moderados, como Arábia Saudita, Irã, Jordânia e Paquistão. Alguns, por motivação protocolar, até manifestam-se através de comunicados institucionais, posicionando-se contra os atentados terroristas. Mas isso é pouco para momentos sensíveis como este, em que todo o mundo olha com desconfiança para a comunidade muçulmana. Eles precisam atuar com mais vigor contra o terror.


Seria interessante que figuras como o presidente do Irã, Hassan Rohani, eleito com ares de renovação para suceder o fanfarrão Mahmoud Ahmadinejad, tivessem mostrado a cara no ato público protagonizado neste domingo por chefes de Estado de diferentes países e por cerca de 1,5 milhão de parisienses, que foram às ruas da cidade para se solidarizar às vítimas do Charlie e protestar contra o terror. Em toda França, estima-se que quase 4 milhões de pessoas protestaram. Entre elas, certamente havia muçulmanos que também desejam a paz e nada têm a ver com seus compatriotas radicais.


Mas foi uma pena que os líderes maiores do Islã não estivessem lá, seria um ótimo momento para desfazer um pouco dos receios (naturais) que brotam na sociedade a cada ação sangrenta reivindicada por grupos muçulmanos. Não que a presença de Mahmoud Abbas, primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina, não tenha tido relevância, mas a ida de alguém do porte de Rouhani ao protesto deste domingo certamente teria muito mais.


Por sorte, entidades representativas da população islâmica trataram de posicionar-se com veemência contra o ato terrorista que assassinou 12 pessoas na redação do jornal francês. Isso mostra que a maioria dos muçulmanos é bem diferente da minoria terrorista. Ela é pacífica, trabalhadora e ordeira. Ela quer progredir, viver com liberdade e fazer de sua fé um caminho para o paraíso, não para o inferno. Já os assassinos covardes da Al Qaeda, Isis e Cia. Ltda. parecem querer justamente o contrário. 


É importantíssimo saber, portanto, de que lado as lideranças formalmente constituídas do mundo islâmico estão. Até o momento, vão dando a pinta de que podem estar mais para lá do que para cá, infelizmente, o que é péssimo para a relação entre o Islã e o Ocidente.


Liberté, égalité, fraternité


Enquanto isso, os franceses vão dando mais um show de democracia e liberdade, como fizeram entre os anos de 1789 e 1800, quando puseram a família real e seus privilégios para fora do palácio e o entregaram ao povo. Agora, em pleno século 21, foram às ruas novamente para dizer, em nome de todo o mundo, que nenhum cidadão de bem, da religião, etnia ou raça que for, deseja ver pessoas inocentes serem assassinadas em nome de divindades.  Muito menos em nome de psicopatas doentios em busca de poder.


É a segunda Revolução Francesa, que fará tão bem para a humanidade quanto a primeira. Que Deus, Alá, Buda ou qualquer outra entidade supostamente divina, de qualquer religião ou crença, possa abençoá-la e fazer dela um marco na luta contra o terror, assim como a primeira marcou a luta contra a injustiça e a desigualdade. Liberté, égalité, fraternité, sempre e sem retrocessos. É isso que a humanidade quer, é isso que ela merece, senhores terroristas.




+ Notícias
Todos os direitos reservados © Copyright 2009 - Política de privacidade - A opinião dos colunistas não reflete a opinião do portal