EDITORAL AeF
O vereador blumenauense Fábio Fiedler (PSD) voltou falando grosso. Na entrevista coletiva que deu na última terça-feira, ao lado dos colegas Robinsom Soares (PSD) e Célio Dias (PR), pegou no pé da Justiça, do Ministério Público e da imprensa local:
– Ficamos conhecidos como os vereadores que desviaram R$ 100 milhões graças a alguns veÃculos e a alguns colunistas, que nos apresentaram para a comunidade e para nossos eleitores como se fôssemos culpados. E não éramos, como concluiu agora o TSE. A rapidez com que saiu nossa condenação em primeira instância também chama a atenção, como fica ainda mais claro agora* – despejou
o social-democrático.
Robinho, que por natureza é mais bonachão que Fiedler, tentou ser mais afável, mas também cutucou:
– Foi uma sacanagem o que fizeram conosco. Todo o processo está
baseado em sinopses que traduzem os diálogos gravados nas escutas, usando
fragmentos de pouco mais de 20 minutos de conversa em um universo de 33 mil
horas de gravação. Como uma pequena sinopse, subjetiva e parcial, pode servir
de prova em um processo que envolve mais de 30 mil horas de escuta telefônica? E muita gente embarcou nessa história*.
Célio Dias, por sua vez, citou o próprio exemplo para reforçar a argumentação do colega de Parlamento:
– Cassaram meu mandato porque mandei entregar macadame e brita na
casa de alguém durante o perÃodo eleitoral. Mas esse alguém era meu sogro, o
que possivelmente deve ficar claro se as gravações forem ouvidas na Ãntegra, e
não através de sinopses*.
* Transcrição aproximada, para fins de concisão de raciocÃnio.
Unanimidade
Basicamente, o que os três vereadores alegam é que a interpretação dos diálogos gravados pelo Ministério Público, através de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, está mal fundamentada e que eles não tiveram acesso à Ãntegra das gravações para formular suas defesas. No último dia 24, o Tribunal Superior Eleitoral acatou, por unanimidade, esta argumentação, em sessão presidida pelo ministro Dias Toffoli. A relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi clara e sucinta ao emitir seu parecer, sustentando que não há razão para manter o restante das gravações obtidas pelo MP fora dos autos. A Ãntegra das escutas deve ser anexada a eles e os vereadores devem ter o direito de defesa com base nelas. Trocando por miúdos, foi o que disse a magistrada no Plenário do TSE.
Com base nesta decisão, os três vereadores puderam reassumir os cargos depois
de dois anos de afastamento.
Olhando a questão friamente, o que se percebe é que tanto o trabalho dos promotores quanto o julgamento de primeira instância da Justiça Eleitoral parecem incluir equÃvocos – na melhor das hipóteses, aliás, pois nesta hora nunca falta quem insinue motivação polÃtica por trás das decisões institucionais. Ignorando esta possibilidade, já que ela é muito difÃcil de ser comprovada, fica-se com a impressão de que o processo foi montado e analisado meio nas coxas, como se costuma dizer das
coisa feitas em menor profundidade e menos afinco.
Mais ou menos como aquela resenha do livro na faculdade, que você tinha o semestre inteiro para fazer mas deixou para a noite anterior ao dia da entrega. Aà vai para o ctrl c + ctlr v analógico, chuta um palpite aqui e acolá para costurar os trechos e entrega na corrida. O professor, que também não está lá muito afim de ler todos
os trabalhos nem tampouco arrumar confusão com os alunos, faz uma leitura
dinâmica, dá nota oito e fica tudo certo pra todo mundo.
Neste caso, contudo, a professora (ou a ministra Maria Thereza) resolveu ler a resenha (ou o processo) com mais atenção e critério e acabou
descobrindo que a fundamentação do texto estava mais furada que uma peneira.
Analogamente, foi mais ou menos isso que aconteceu na história dos vereadores
blumenauenses afastados e depois recolocados no cargo pela Justiça Eleitoral. As provas apresentadas, pinçadas da Operação Tapete Negro (na qual os parlamentares sequer são citados), embasaram o processo de forma tão frágil que ele não se sustentou na última instância e terminou reprovado. Agora precisa ser refeito e entregue novamente.
Credibilidade
Não se trata aqui de querer afirmar se houve ou não interferência
polÃtica no processo, nem tampouco de apontar quais as eventuais falhas das
instâncias envolvidas em sua tramitação. Trata-se apenas de observar que, da
forma como as coisas estão se desenrolando, deixa-se, sim, margem para ilações jocosas, comuns nas rodas de discussão mais polêmicas. Teria o
então coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco) à época da Operação Tapete Negro, Jean Michel Forest, agido com alguma
intenção mais subjetiva na hora de fazer precipitar as ações do MP? Afinal, ele é
irmão do hoje vereador Jefferson Forest (PT), que, por sua vez, é cunhado do
deputado federal e ex-prefeito Décio Lima (PT), arqui-rival número um do hoje
secretário estadual de Saúde, João Paulo Kleinübing (PSD), que era prefeito de
Blumenau e principal alvo da Operação Tapete Negro quando ela foi deflagrada,
no final de 2012, pouco antes de Kleinübing encerrar o mandato.
Forest já refutou estas insinuações (de forma até um tanto irônica, diga-se de passagem) e garante que as motivações do MP foram meramente
técnicas, de forma que não há por que duvidar dele até que se apresente provas do contrário. Este é o mais justo e básico princÃpio do direito e da democracia.
Mas na verdade nem é isto que vem ao caso neste momento. O que
importa mesmo é que instituições importantes e indispensáveis para a solidez
democrática, como o Ministério Público e a Justiça, evitem agir de forma tão açodada,
como parecem ter agido neste caso, sob pena de levarem à suspeição
procedimentos investigatórios absolutamente legÃtimos. A sociedade,
ressalta-se, quer ver exatamente isso, promotores públicos e juÃzes fungando
quente no cangote dos representantes que ela coloca no poder. É exatamente para isso que eles são pagos com o dinheiro do contribuinte, aliás.
Ocorre que a sociedade precisa ter a certeza de que este trabalho está
sendo feito com eficiência, correção e, sobretudo, imparcialidade. No momento
em que pairarem dúvidas sobre a ação destes agentes, os pilares da solidez
institucional e democrática sofrerão um duro abalo. Não é isso que queremos,
definitivamente.
Palanque
Cabe observar ainda que episódios como a investida mal sucedida do
MP e da Justiça Eleitoral contra os vereadores blumenauenses acaba criando oportunidade
de ouro para quem está longe de ser santo. Culpados ou não, Dias,
Fiedler e Soares agora podem subir no pedestal para dizer a seus eleitores:
– Estão vendo, tentaram nos culpar e não conseguiram, por que não fizemos nada de errado.
Belo resultado. Para os polÃticos, como sempre. Esperemos que
agora, se promotores e juÃzes refizerem a investida, o façam com argumentação
mais sólida. Tudo o que queremos é que, se houver culpados, eles sejam
condenados e punidos. O que não podem é ficar brincando de gato e rato com
nosso valioso e suado dinheiro, que ganhamos a duras penas e entregamos ao Erário todos os anos. Abram o olho, senhores, pois o nosso está bem aberto, podem ter certeza. A sociedade acordou, faz um bom tempo, talvez só os senhores não percebam isso.