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POTENCIAL É GRANDE, MAS RISCO TAMBÉM
Segunda-Feira, 01 de Junho de 2015

EDITORIAL AeF


O Brasil vive dias de horizonte cinzento. Na verdade negro, opaco, fosco, assustador, mal agourento. Sabe aquele olhar clássico da morte nas figuras mais célebres da indústria cultural? Pois é mais ou menos assim que está a cara do horizonte brasileiro. Para qualquer lado que se olhe, o que se vê é a face assustadora da falta de perspectiva, da ausência de esperança, da inexistência de elementos que possam dar mais brilho às expectativas sobre o futuro do país. Pessimismo? Pode ser. Mas  um pouco de realismo também, certamente.


Confira abaixo lista de aspectos que, em nossa opinião, mais contribuem para deteriorar em nível preocupante as perspectivas de curto e médio prazo no Brasil:


1) Reforma – a reforma política, enfim, começou a ser votada no Congresso e chegou a dar certa esperança aos brasileiros. Mas acabou ficando pelo meio do caminho. O fim da reeleição chegou a ser comemorado por alguns agentes da cena política e social, mas, por si só, não vai mudar muita coisa nos sistemas político e eleitoral. A possibilidade da reeleição, se por um lado pode influenciar negativamente algumas iniciativas de gestão, por outro pode motivar gestores mais comprometidos (eles podem ser raridade, mas existem) a fazer um bom trabalho para obter aprovação popular e sucesso nas urnas.


Por isso procurar uma conclusão definitiva em torno do assunto é mais ou menos como tentar saber o que veio primeiro, o ovo ou a galinha. Até pode ser possível chegar a uma constatação sobre esta origem, mas isso não vai mudar em nada nossa relação com os dois alimentos.


Já o fim do financiamento de empresas para campanhas eleitorais, das coligações para o Legislativo e do voto proporcional, rejeitado pelos congressistas, tem causa e efeito bem mais evidentes e conclusivos. Caso tivessem decretado a morte destes dispositivos, o sistema político certamente ficaria bem mais transparente, justo e confiável. Afastar as empresas do processo tornaria a gestão pública mais isenta, impedir as coligações acabaria com as negociatas de aluguel e estabelecer o voto distrital dificultaria a vida dos aventureiros que se elegem com o voto de eleitores que sequer os conhecem direito, para depois ficarem livres, leves e soltos na Ilha da Fantasia, ou melhor, em Brasília, fazendo o que querem com o dinheiro do contribuinte.


2) Desajuste fiscal – Um país que no plano federal tem 39 ministérios e 100 mil servidores comissionados (nomeados por indicação política, não por concurso público) mas na hora de cortar gastos e ajustar as contas prefere investir menos e arrecadar mais, paralisando ações e aumentando impostos, definitivamente não é um país comprometido com os interesses de seu povo.


Por isso um ajuste fiscal que corta investimentos, aumenta impostos e retira benefícios do trabalhador, mantendo a mesma estrutura perdulária e ineficiente da máquina pública, não merece ser chamado assim. Está mais para desajuste do que para ajuste. Por mais que agrade ao FMI, como vem agradando, está longe de dar à administração pública a confiabilidade e a eficiência que ela precisa ter para fomentar o desenvolvimento econômico e social da nação. Uma reforma administrativa que torne o Estado menos oneroso e mais eficiente, infelizmente, permanece apenas como um sonho intangível.


3) Infraestrutura – Enquanto o Brasil discute parcerias faraônicas com a China, incluindo a construção de uma ferrovia transamazônica ligando a costa brasileira à costa peruana, as linhas férreas, as rodovias e os portos brasileiros seguem aguardando investimentos mais significativos, para tornar nossos produtos e nossa indústria mais competitivos no mercado internacional.


Fiquemos apenas com um exemplo, escolhido pela proximidade geográfica: a duplicação da BR-470, entre Blumenau e a BR 101, no acesso a Navegantes. Quando ficar pronta – lá por 2020, na melhor das hipóteses, pelo que indica o ritmo atual das obras –, possivelmente já será insuficiente para resolver todos os problemas de mobilidade da região, pois o esgotamento do fluxo de veículos também ocorre entre os municípios de Blumenau, Indaial e Rio do Sul, onde os congestionamento já são frequentes mas a duplicação é apenas uma miragem distante.


Se ampliarmos a escala dos problemas para o plano nacional, então, ficaremos ainda mais atônitos.


4) Burocracia – Enquanto o mundo fica cada vez mais conectado e integrado, o Brasil segue impondo a seus empreendedores uma maratona interminável de desafios burocráticos. Papéis, carimbos, exigências múltiplas e muita, mas muita morosidade seguem dando a quem se arrisca por este universo a sensação de pertencer a outra galáxia. Para liberar uma carga em um porto, por exemplo, na hora de exportar ou importar, é preciso esperar dias, às vezes semanas, meses nos casos mais absurdos. Fica muito difícil melhorar a produtividade e a competitividade de um país neste ambiente.


5) Indústria – Ambiente que, somado a outros fatores, como carga tributária elevada, mão-de-obra pouco qualificada, infraestrutura deficiente e câmbio desfavorável, entre outros elementos do chamado Custo Brasil, transforma a vida das indústrias num pesadelo. Não é à toa que o índice de industrialização da economia brasileira caiu substancialmente nos últimos anos, parando em cerca de 30% e se aproximando perigosamente dos níveis residuais.


Atualmente o PIB brasileiro sustenta-se predominantemente sobre o comércio e a prestação de serviços, alavancados pela gastança oficial e pelo crédito farto – alavancas que, no entanto, esgotaram-se com a crise das finanças públicas. A produção e exportação de commodities (principalmente minério de ferro, carne e soja) são a outra mola de sustentação da economia brasileira, mas estão sofrendo com a queda dos preços no mercado internacional.


Como se pode ver, a coisa está meio do tipo se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Resultado da ausência de políticas sustentáveis de desenvolvimento. 


6) Educação – considerando que a qualidade insatisfatória da mão-de-obra é um dos entraves ao desenvolvimento industrial e econômico do país, não é muito animador verificar como estão sendo tratadas as escolas e universidades do país. Para quem quiser se informar melhor sobre o assunto, não faltarão notícias sobre cortes de orçamento e falta de recursos em unidades de ensino de todo o país. Ao que tudo indica, elas continuam não sendo prioridade para a gestão pública. Torrar bilhões e mais bilhões em refinarias, plataformas e todo tipo de obra superfaturada é, investir em educação não.


7) Inovação: nesta frente o Brasil até colheu avanços recentes, como alguns dispositivos legais e mecanismos de fomento à inovação. Bons exemplos são a lei que dá benefícios fiscais para quem investe em startups, e os fundos mistos de investimento (com recursos públicos e privados),  criados para investir em empresas inovadoras e acelerar seu desenvolvimento.


O problema é que eles são insuficientes para recuperar todo o tempo perdido e colocar o Brasil na crista da onda da nova economia. Até chegar ao ponto de colocar seu produto no mercado e atrair o interesse dos investidores, os empreendedores brasileiros enfrentam uma via sacra de dificuldades que acaba sufocando e até matando bons projetos antes mesmo que saiam do papel. Mesmo com toda persistência, tem gente que fica pelo caminho por falta de apoio.


Neste contexto, por que não criar uma espécie de Bolsa Inovação? Por que não ajudar quem tem potencial para fazer a economia se desenvolver e gerar mais riquezas para todos? Se é possível ajudar os excluídos, deveria ser possível ajudar também quem produz os recursos necessários para incluí-los. Até porque Ã© muito mais fácil impor contrapartida e critérios a empresas do que a cidadãos, o que facilitaria a avaliação dos resultados obtidos com o investimento.


Quando há prosperidade, crescimento econômico e desenvolvimento, não é preciso sequer dar esmolas ao povo, basta oferecer a ele serviços públicos universais e de qualidade, do resto ele corre atrás. Prosperar, crescer e se desenvolver sem inovar nem produzir tecnologia, no entanto, é resultado bem difícil de ser obtido no século 21.


8) Desemprego – Somando-se estes aspectos a vários outros, chega-se ao quadro que faz despencar a geração de empregos no país. Enquanto durou a farra da gastança pública, o comércio e a prestação de serviços carregaram o PIB nas costas e deram ao Brasil uma falsa sensação de prosperidade, fruto de uma bolha insustentável de crescimento econômico e geração de empregos. A indústria, contudo, foi definhando e agora encontra-se com os músculos atrofiados, comprometendo seriamente o desenvolvimento.


Como o dinheiro da gastança pública acabou e a indústria ficou subnutrida, o mercado de trabalho agora sente o tranco. O desemprego, de acordo com o IBGE, subiu de 6,5% no último trimestre de 2014 para 7,9% no primeiro trimestre de 2015. É um robusto aumento de 21,5% na taxa de desocupação, capaz de assustar qualquer trabalhador que precisa manter o emprego para sustentar a família.


9) Caso Assembleia – Até mesmo nós, catarinenses, que sempre nos sentimos em uma espécie de ilha de excelência e prosperidade em relação ao restante do país (o estado tem a menor taxa de desemprego da Federação, por exemplo, com apenas 3,8% de desempregados), fomos terrivelmente surpreendidos pela notícia da farra do turismo estatal, promovida pelos deputados estaduais de Santa Catarina. Em dois anos, eles torraram nada menos que R$ 31,7 milhões (sim, isso mesmo, com duas casas decimais antes da vírgula) com viagens a paraísos turísticos como Istambul, Santiago, Buenos Aires, Bariloche, Londres, Copenhagen e Paris, entre outros.


As justificativas apresentadas para tanta viagem não convenceram nem ao Tribunal de Contas do Estado, que fez um esforço enorme para não ver nada de errado nos passeios dos parlamentares mas acabou sendo forçado a interpelar a Assembleia Legislativa, convocada a explicar como o turismo oficial pôde ocorrer de forma tão acintosa – ou não é um acinte ao contribuinte? A quem dá duro todo santo dia para alimentar a família, pagar a escola dos filhos, a mensalidade do plano de saúde, a manutenção do carro, a prestação da casa própria e os impostos que sustentam toda esta farra com dinheiro público, é claro.


O Tribunal de Contas agora diz que vai “apurar se houve prejuízo para os cofres públicos†no caso do turismo parlamentar. Bom, para qualquer cidadão decente (e para você também, provavelmente), resta pouca ou quase nenhuma dúvida de que houve um prejuízo enorme para os cofres públicos e, consequentemente, para o bolso do contribuinte. Um prejuízo gigantesco, provocado mais uma vez pela falta de responsabilidade e zelo para com o trato da coisa pública. Esta é uma constatação mais do que evidente, ela é flagrante, escandalosa, ultrajante. Para chegar a esta conclusão, basta imaginar o que daria para fazer com R$ 31 milhões nas escolas, hospitais, polícias e demais estruturas públicas encarregadas de prestar serviço ao cidadão.


Em devolução do dinheiro, até agora, ninguém fala. E dificilmente falarão, eis a triste, cruel e dura verdade.


10) Caso Câmara – E aqui na paróquia, onde nos sentimos numa ilha de excelência ainda mais confortável e segura, também há um triste exemplo para acrescentar a esta lúgubre lista de pessimismo latente. Em pleno momento de falta de dinheiro, de economia encolhendo, de emprego incerto, de imposto em alta e confiança em baixa, há quem sugira o aumento do número de vereadores em Blumenau, que tem 15 legisladores. É pouco, crêem, precisaria de 21 ou 23 para atender às necessidades de representação popular no Legislativo.


Por uma desejável conspiração favorável dos astros, há parlamentares que rejeitam a ideia, de forma que resta ao cidadão a esperança de não ser forçado a engolir mais este sapo indigesto. A sociedade, em audiência pública recente, manifestou-se de forma contundente e fervorosa contra mais esta provocação ao interesse público, agora é preciso torcer para que o recado tenha chegado a quem precisa chegar.


Ressaltando que o Legislativo blumenauense tem uma estrutura bem aparelhada e qualificada, operada por profissionais competentes, que certamente dará mais resultados operando em demanda adequada do que sobrecarregada por um número maior de parlamentares. Se trabalharem em sintonia com o pensamento e o interesse da sociedade, à qual representam, os 15 vereadores que hoje compõem o Parlamento municipal darão conta de desempenhar seu papel da melhor forma possível, atendendo às expectativas do cidadão. Suporte técnico e funcional para isso seguramente não lhes falta.  


Tempo


Restaria apenas concluir, portanto, que o Brasil caminha inexoravelmente para o abismo, para os braços da morte? É evidente que não. Como gostam de dizer alguns agentes de mercado, “o Brasil é o Brasilâ€. Tem tantas riquezas, tantas potencialidades, tantos heróis anônimos que nem toda a conspiração desfavorável da desgovernança pública consegue impedir o país de seguir no caminho da evolução. Se há muitos desafios a serem vencidos, como os listados aqui, entre outros, também há muitos avanços e conquistas a serem comemorados.


O equilíbrio institucional e democrático é o principal deles. A independência do poder Judiciário e a postura atuante do Ministério Público são outros dois exemplos importantes. Isso, por si só, já dá ao Brasil a cara de um sujeito mais amadurecido e pronto para a vida. Mas é preciso que este sujeito se torne mais responsável e consciente também, para que siga andando no caminho da evolução, e não do retrocesso.


Só depende de nós, portanto, correr para os braços da morte, que permanece a nossa espreita no horizonte, ou passar longe dela e seguir caminhando firme em direção ao desenvolvimento. As escolhas e as decisões, contudo, precisam ocorrer rapidamente, pois o tempo está passando e, daqui a pouco, pode não perdoar mais nossos erros e equívocos. Precisamos mudar, corrigir nossa postura, rever nossos conceitos. Infelizmente, no entanto, não é isso que parece estar acontecendo.  




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