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O QUE ESPERAR DAS TRANSFORMAÇÕES DO TRANSPORTE PÚBLICO EM BLUMENAU
Quinta-Feira, 04 de Fevereiro de 2016

OPINIÃO DO ANÃLISE

A seguir alguns apontamentos que consideramos pertinentes no
debate sobre as mudanças instituídas no transporte público de Blumenau:

Ruptura

- A ruptura com o Consórcio Siga era inevitável. Do jeito que
estavam, as coisas não podiam ficar, pois só iriam piorar, considerando a situação
financeira deplorável da maior empresa do consórcio, a Nossa Senhora da Glória,
mergulhada em dívidas impagáveis e responsável por mais de 60% da oferta do
serviço. É o que deve ter percebido o poder público durante a intervenção que
fez no final do ano passado no Consórcio Siga, para concluir que não havia
alternativa.

Bondade

- O suposto “pacote de bondades†oferecido para a Viação Piracicabana (basicamente a desobrigação da limpeza e segurança dos terminais
urbanos
) representa custo significativo na operação do sistema, mas não é dos
mais impactantes. Os maiores custos em uma operação de transporte, pela ordem,
são a aquisição/renovação/expansão da frota, folha de pagamento, combustível e manutenção,
impostos e depreciação de patrimônio
, nesta ordem. Dois ou três veículos das duas
ce
ntenas que a empresa de Piracicaba (SP)
se disponibilizou a colocar nas ruas de Blumenau já representam os R$ 400 mil
mensais que o Consórcio Siga tinha de custo com a manutenção e a segurança dos
terminais.

Por outro lado, é possível que a administração municipal, que assumirá os dois serviços por seis meses, possa executá-los a um custo menor, visto que tem à sua disposição a estrutura da URB – hoje funcionando
com quadro menor, mais enxuto e menos dispendioso  â€“ e pode eventualmente recorrer a parcerias com prestadores de serviço – a Agência de Desenvolvimento Regional de Blumenau,
por exemplo, ligada ao governo do estado, fez isso recentemente, ao precisar de
serviços de informática sem rubrica orçamentária para isso.

A relação custo-benefício do pacote de
isenção oferecido pela prefeitura à Piracicabana, portanto, não parece ter sido
o fator decisivo para a opção que fizeram as partes. Pode ter sido um aspecto importante, mas não preponderante.

Amostragem

- Sobre os problemas com os veículos da
frota disponibilizada pela Viação Piracicabana é preciso situá-los no todo da
amostragem. Pelo que se pôde constatar até agora, a ocorrência de falhas
mecânicas tem atingido algo em torno de 10% e 15% da frota. É um índice significativo,
mas não assustador, considerando que boa parte dos veículos colocados em uso
parecia estar parada há um algum tempo. Com a utilização frequente é possível,
ou pelo menos natural e esperado, que as ocorrências diminuam. Vejamos se a
lógica se fará presente ou se realmente embrulharam um presente de grego para
os blumenauenses.

Inocência

- Imaginar que uma frota com mais de 200
ônibus fosse colocada nas ruas de um dia para o outro sem a ocorrência de
problemas, no entanto, seria pura inocência, ou ignorância. Sendo assim, é
preciso ficar de olho na forma como a solução destes problemas será conduzida
ao longo do período de adaptação. Desejar que o episódio não tivesse nenhuma exploração
política, da mesma forma, seria burrice ou ingenuidade, principalmente na
véspera de uma eleição para prefeito. Tanto uma coisa como a outra, portanto, são
cabíveis e até esperadas. Cabe às três partes envolvidas (o Executivo, as
forças de oposição e o cidadão
) encaminharem o episódio da forma mais
responsável possível.

Detrimento

- Em relação ao detrimento integral das
empresas Rodovel e Verde Vale, que compunham o Consórcio Siga e tinham situação
financeira teoricamente melhor do que a Glória, tem-se uma questão emblemática.
Por um lado, seria de fato conveniente para a honra e a moral dos blumenauenses
manter o controle do sistema de transporte, ou de parte dele pelo menos, na mão
de blumenauenses; por outro , talvez fosse complicado do ponto de vista legal,
moral e ético
romper com o consórcio e recontratar, em caráter de emergência,
apenas duas das três empresas que o compunham. Por mais que houvesse razões
técnicas para isso, poderia levar as mesmas pessoas que hoje questionam a
contratação da Viação Piracicabana a criticar a recontratação da Rodovel e da Verde
Vale
– elas possivelmente poderão participar da licitação que será feita em
seis meses.

Cabe observar aqui que a prática, neste
caso, mostra uma realidade bem diferente daquela desejada na teoria. Nos
últimos 50 anos, apesar de manter o controle do transporte coletivo na mão de
blumenauenses, a cidade viu eles retribuírem de forma nem tão honrosa assim a
confiança que neles se depositou. Quem sabe seja a hora, portanto, de se tentar
algo novo.

Culpa e responsabilidade

- Querer culpar a atual gestão por um
problema criado ao longo de cinco décadas seria injusto, mas eximi-la de
responsabilidade na condução do processo a partir de agora seria leviano. Por
isso, é preciso que se cobre da administração pública todas as providências
indicadas para a solução do problema, nos prazos exigidos pelas necessidades do
cidadão e dentro da correção necessária para a boa gestão dos interesses
públicos. Instâncias fiscalizatórias, como a Câmara de Vereadores, o Ministério
Público e o Tribunal de Contas
, entre outras, devem estar atentas, portanto, a
cada passo do processo.

Desafio

- O próximo grande desafio da atual
gestão é formular um edital de licitação que ajude a evitar novos problemas no
futuro. O sistema de concessão em consórcio, pelo que se pôde constatar, talvez
não seja o melhor modelo. Quando coloca-se todos os ovos em uma única cesta,
corre-se o risco de perder todos em caso de queda. Assim, quem sabe seja hora
de voltar ao modelo antigo, em que cada empresa participava do edital separadamente.
Em Blumenau, o sistema de consórcio fez a Glória arrastar para o buraco junto
com ela a Rodovel, que sempre se destacou pela qualidade dos veículos que
oferecia, e a Verde Vale, que supria lacuna do transporte intermunicipal na
região.

Corporativismo

- O momento de transformação também
seria recomendável para que Blumenau começasse a pensar na possibilidade de
vencer o corporativismo e permitir que os veículos, ou parte deles pelo menos,
circulem sem cobradores. É compreensível a preocupação do sindicato em
preservar algumas dezenas de empregos, pois é para isso que existe, porém é mais
compreensível ainda que o cidadão deseje um serviço mais barato e eficiente.
Para obter este resultado, em época de tanta tecnologia disponível, não resta
alternativa a não ser evoluir. Vale o interesse da maioria, não de segmentos,
por mais importante e relevante que sejam.

Lição

- Por último, é preciso não perder de
vista a principal lição deste conturbado episódio: é indispensável adotar uma regulação
mais independente do sistema, com participação direta de instâncias ligadas à sociedade
civil organizada e a órgãos de auditoria e fiscalização. Não é difícil para
quem tem um mínimo de discernimento imaginar quanta gente mamou nas tetas das
empresas que operaram o sistema de transporte ao longo das últimas cinco
décadas em Blumenau (dinheiro para campanha, concessão de benefícios,
funcionalismo fantasma
). Falamos de empresas privadas que em muitos momentos
funcionaram como empresas públicas, sejamos francos, que atire a primeira pedra
quem puder provar o contrário.

Neste contexto, o mais importante é
fazer com que o sistema, a partir de agora, seja melhor administrado. Que os
erros do passado não sejam cometidos no futuro e o cidadão blumenauense tenha,
enfim, o transporte público que merece. Bola pra frente, que atrás vem gente.




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