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DEBATE SOBRE NOVO MODELO DE TRANSPORTE GANHA CORPO EM BLUMENAU
Sexta-Feira, 11 de Março de 2016

A audiência pública que debateu, nesta quinta-feira, a situação do transporte coletivo em Blumenau começou com cara de que seria só mais um palanque político para a oposição. O Plenário quase lotado da Câmara de Vereadores, onde ocorreu a audiência, assistiu inicialmente a uma série de discursos de ataque ao prefeito Napoleão Bernardes (PSDB), fantoches disfarçados de cidadãos engajados e muita, mas muita demagogia, além de oportunismo em excesso. Nada, contudo, de boas ideias e sugestões para o novo modelo de concessão do transporte público, gestado no município desde o final do ano passado, quando o poder público rompeu o contrato com o antigo operador do sistema.


E o pior: assistiu-se também à lamentável falta de respeito e educação de uma parte da plateia, aparentemente ligada às forças de oposição. Enquanto seus militantes destilavam ataques ao microfone e eram ouvidos atentamente por todos, faziam silêncio; mas quando precisavam ouvir os contrapontos recorriam à algazarra como ferramenta para constranger o discurso adversário. Uma repudiável falta de respeito à diversidade de opinião e ao espírito democrático.


Na parte final da audiência, no entanto, todos recorreram ao juízo (ou teriam obedecido ordens?) e quem fazia a defesa do governo e do atual sistema de transporte também pôde ser ouvido. Coincidentemente ou não, a mudança de postura dos agitadores ocorreu a partir da atitude de dois petistas: o vereador Jefferson Forest, que deixou a mesa de vereadores a certa altura da audiência, e o presidente do PT no município, Eder Lima, um prócer vermelho com cara de mau e que foi presidente do Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transporte de Blumenau (Seterb) durante a gestão petista na cidade, entre 1996 e 2004.


Ao assumir o microfone para falar, Lima fez a primeira inserção predominantemente técnica da audiência pública – inclusive dispensando os gritos de histeria da militância que agitava o Plenário. Ele destacou aspectos estruturais dos veículos da Piracicabana (operadora do sistema em caráter emergencial) que considera irregulares e sugeriu que a próxima licitação do transporte não entregue o serviço para uma única empresa. Bingo, foi o primeiro a dizer aquilo que há de mais importante para ser dito nesta celeuma toda: não é conveniente deixar a operação do transporte na mão de um único operador.


Este, aliás, parece ter sido o ponto de consenso entre os que foram à audiência pública para contribuir e não para discursar. Seja uma empresa ou um consórcio, como era o caso do Siga, não faz bem para o serviço depender de um único prestador, como ocorria no modelo antigo, revogado no ano passado.


Representatividade


Sobre o evento de ontem cabe reconhecer a postura elogiável das entidades que representam a sociedade blumenauense. Elas compareceram em peso e participaram ativamente da audiência pública. Da principal entidade patronal do município, a Acib, a associações de cunho popular, ligadas a trabalhadores e cidadãos, passando por sindicatos, como o Sintraseb e o Sindetranscol, e agremiações, diferentes segmentos da cidade estiveram representados no debate. Entre as entidades que se posicionaram contra e aquelas que defenderam as mudanças em curso no transporte, todas deram sua contribuição com argumentos, críticas, elogios e sugestões – apesar dos excessos pontuais.


Já a ausência mais sentida foi da Piracicabana, operadora em caráter emergência do serviço, que não enviou nenhum representante para a audiência. Seria boa oportunidade para esclarecer dúvidas em relação à frota colocada em Blumenau e as perspectivas para a sequencia do contrato.


Alguns destaques da audiência pública desta quinta-feira:


- O presidente do Legislativo blumenauense, Mário Hildebrandt (PSB), que conduziu a audiência, deu uma aula de liderança e gestão de conflitos. Teve autoridade sem ser autoritário e deu liberdade sem ser permissivo. Nos momentos de maior tensão do evento, a confusão poderia ter prevalecido sem a intervenção bem medida do parlamentar.


- O vereador Ivan Naatz (PDT), que abriu a audiência colocando fogo no circo e dando a impressão de que só queria vê-lo virar cinza, encerrou-a com um bonito gesto de reconhecimento, agradecendo a presença dos representantes do Seterb (que toparam botar o nariz na fogueira justamente num momento em que o transporte vive relativa calmaria) e reconhecendo o quanto ela enriqueceu o evento. Naatz foi o proponente da audiência pública, que será compilada em arquivo digital e encaminhada para os responsáveis pelo novo edital de licitação do transporte público em Blumenau.


- O moleque da matemática básica: um jovem com pinta de pós-adolescente, aparentando menos de 20 anos, foi uma das estrelas da audiência pública, embora sua presença tenha sido pouco notada e dispensada nos conteúdos de divulgação do evento. Arriscando a fala em meio à aparente nervosismo e ansiedade, disse bem franca e objetivamente aquilo que todos precisam ouvir: não existe tarifa zero no transporte, como defendem alguns ETs. A operação do sistema tem um custo (combustível, frota, manutenção, etc) e sem ele não há ônibus rodando nas ruas para servir à população. E se há custo, ele deve ser rateado entre quem usa o sistema, não por todos os cidadãos, que já pagam impostos demais. "Isso é matemática básica", bradou ele.


- O presidente do Seterb, Carlos Lange, fez uma primeira intervenção meio apagada, no início do evento. Apresentou planilhas simplistas, que qualquer criança seria capaz de fazer usando o Word. Recorreu a clichês, denotou insegurança e não convenceu a quase ninguém. Quando voltou ao microfone no encerramento da audiência, no entanto, parecia ser outra pessoa. Estava seguro, falou de dentro para fora e fez da emoção grande aliada. Reiterou que a situação do transporte está longe de ser a ideal mas é o caminho necessário para se chegar a uma melhora do transporte público no município.  Garantiu que as sugestões levantadas no evento foram todas anotadas e reforçou que a população também pode participar do processo através do telefone 156 – uma interface digital de participação popular também ajudaria bastante, a propósito. Mereceu aplausos que nem todos se resignaram a dar, mas mereceu.


- Enquanto isso o Leocarlos Sieves, figura recorrente do ativismo social e ambiental em Blumenau, ex-candidato a vereador pelo PT, recorreu ao bom senso e à ponderação. Falando em nome da Associação dos Usuários de Transporte Coletivo (Autrac), não usou uma única palavra de conotação política e apresentou imagens para reforçar aquilo que, na opinião dele, já poderia ajudar bastante os usuários do sistema: a substituição das catracas dos ônibus por um modelo que facilite a travessia de pessoas com maior dificuldade de locomoção. Aproveitou para lembrar que a população merece mais linhas e horários nos domingos.


- Entre os destaques negativos da audiência pública que debateu a situação do transporte coletivo da cidade e suas perspectivas para o futuro, pode-se facilmente destacar a participação para lá de dispensável do advogado criminalista (que defende contraventores) Benjamin Coelho, que falou em nome da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina e do seu partido, o PDT. Ele foi à tribuna para desferir impropérios contra o prefeito, falar do pai do prefeito e dizer que os ônibus brancos da Piracicabana não poderiam rodar porque nos documentos constam de outra cor.


Neste caso, então, quem sabe o nobre jurista se disponha a rodar com seu carrão de luxo pela cidade para atender à população se a Piracicabana recolher seus veículos para deixá-los na garagem até arrumar os documentos – vale lembrar que Blumenau precisou encontrar, do dia para noite, alguma empresa que se dispusesse a colocar mais de 200 ônibus para rodar em menos de um mês. De repente Coelho também pode sugerir outra empresa, que consiga disponibilizar tal frota com a documentação toda em dia (o que não dá para imaginar com muita facilidade é uma frota com mais de 200 veículos rodando com diferentes cores e plotagens pela cidade).


- E a CPI do transporte, sai ou não sai? Na audiência de quinta-feira o “povo†pediu novamente. Dizem que só falta um voto e ele seria possibilidade. Pois façam logo esta bendita investigação, doa a quem doer. É preciso lavar logo a roupa suja para seguir a vida adiante e melhorar o transporte público da cidade. Resta saber se a CPI terminaria caso começasse, do jeito que deve ter gente com episódios mal resolvidos nessa história.


Saúde democrática


A audiência pública desta quinta-feira teve outros ótimos bons e maus momentos. Por questão de objetividade e concisão, selecionamos alguns. Quem quiser conferir a íntegra das manifestações, pode conferir no site da Câmara de Vereadores.


Para aqueles que ainda desdenham das audiências públicas (que de fato precisam, podem e devem ser aprimoradas) mas não perdem uma oportunidade de aproveitá-las para buscar notoriedade, falar besteira ou contribuir com alguma coisa útil, vale reforçar o convite para que compareçam à próxima audiência que vai debater o novo modelo de concessão do transporte em Blumenau – desta vez o evento será promovido pela Prefeitura, no próximo dia 23, na Vila Germânica.


O microfone de mais um importante poder constituído estará novamente a sua disposição, para que você expresse sua opinião como bem entender – só tenha o discernimento mínimo necessário para ouvir o que os outros também terão a dizer, concordando ou não.  Afinal, o choro e o show são opcionais, a educação e o respeito itens obrigatórios.


É assim, respeitando a diversidade de pensamento e o antagonismo ideológico, que se constrói uma democracia sadia. E quando a saúde da democracia vai bem, a da sociedade vai bem também. Isso é o mais importante, é o que mais interessa.


 




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