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MEIRELLES É O CORINGA QUE PODE VENCER O JOGO
Sábado, 14 de Maio de 2016

O ministério do presidente em exercício Michel Temer tem uma série de vícios e equívocos que pouco o distinguem do anterior, em termos de qualidade – em quantidade foi providencialmente reduzido. Tem, por exemplo, o dono de uma cervejaria à frente do Ministério do Esporte, um latifundiário comandando a Agricultura e um médico cuidando do Desenvolvimento Social e Agrário. Tem também uma série de indivíduos encrencados com o Justiça, desde acusados por improbidade administrativa a suspeitos de tráfico de inflûncia. Sob um olhar mais criterioso e rígido, portanto, daria até para dizer que é um desastre.


Mas o ministério de Temer tem também um grande acerto: Henrique Meirelles, escalado para o Ministério da Fazenda. Raro tipo de figura pública, juntando no mesmo currículo uma bem sucedida carreira na iniciativa privada e uma vocação política nascida no berço familiar, tornou-se um dos coringas mais requisitados de Brasília. Por unir competência corporativa e capacidade de articulação na mesma conduta, é aquele tipo de bombeiro certo para apagar incêndios na gestão pública.


Já foi convocado para a missão em 2003, quando o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva o colocou na presidência do Banco Central. Naquele momento, o mercado mostrava nervosismo em relação ao futuro, por estar incerto em relação à recém iniciada gestão petista. Ao lado do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deu sustentação a uma política monetária e econômica sólida, tranquilizando o mercado e colocando o Brasil na rota do crescimento. À frente do BC, elevou as reservas cambiais do país de US$ 70 bilhões para US$ 250 bilhões.


Agora Meirelles volta ao poder na condição de bombeiro. Precisa combater o enorme desarranjo das contas públicas, mergulhadas em um déficit de pelo menos R$ 100 bilhões (número que pode crescer, conforme os esqueletos apareçam nos armários do Planalto), e a depressão da economia, que encolheu quase 4% em 2015 e continua encolhendo em 2016. Na verdade Michel Temer corrige um erro cometido por Lula e mantido por Dilma ao nomear Meirelles para a Fazenda. É o que Lula deveria ter feito em 2006, quando optou por Guido Mantega na hora de substituir Antonio Palocci, e Dilma em 2011, quando assumiu pela primeira vez e preferiu deixar Mantega no comando da pasta.


Maquiagem


Quase ninguém fala das pedaladas do Mantega, mas elas têm a mesma importância que as de Dilma na gênese do desarranjo fiscal. O artifício do ex-ministro para emitir títulos da dívida pública de forma disfarçada, escondendo que o país estava se endividando, fez tanto mal para o Brasil quanto o descumprimento da meta fiscal promovido por Dilma. Basicamente, o que ele fazia era captar dinheiro emitindo papeis do Tesouro Nacional, para repassá-lo ao Banco Central, que, por sua vez, o repassava para os três bancos estatais (Banco do Brasil, BNDES e Caixa). Estes, então, usavam o dinheiro para fazer empréstimo a consumidores e empresas, ajudando a promover aquela farra do crédito fácil, em que os bancos emprestavam sem nenhum critério para alavancar o consumo e dar ao país um crescimento nada sustentável. Considerando que receberia aquele dinheiro de volta, Mantega simplesmente desconsiderou o valor no cálculo da dívida pública. Detalhe: a maquiagem no balanço do governo representava 10,7% do PIB brasileiro, elevando a dívida de 58% do PIB para 68,7%.


Ocorre que boa parte do dinheiro emprestado dificilmente será recebida de volta. Ou alguém acredita que o Eike Batista, por exemplo, que ficou “pobreâ€, vai pagar aqueles R$ 10 bilhões que torrou explorando plataformas de gás natural que não existiam, portos que não operavam e uma série de outros negócios que não davam lucro. O empresário que Dilma chamou de “orgulho do Brasil†atirava para todos os lados, de mineração à petroquímica, passando por tecnologia, turismo, indústria naval e até gastronomia. Como ganhava dinheiro fácil do BNDES, botava fora com a mesma facilidade.


É esse tipo de coisa que não pode mais ocorrer no Brasil. Um país de cultura administrativa tão irresponsável não pode deixar de cumprir metas ousadas de superávit e controle da dívida. Caixa-pretas como a do BNDES não podem mais existir na máquina estatal, sob pena de continuarmos a ver esta sangria desenfreada e inconsequente dos cofres públicos.


Navalha na carne


Nos primeiros discursos e entrevistas, Meirelles vem dando sinais auspiciosos de que pretende cortar na carne custe o que custar. De acordo com ele, haverá corte rigoroso de gastos, com diminuição de cargos públicos, redução de custos operacionais e até (ufa!) uma revisão cadastral dos benefícios sociais, como o Bolsa Família. Criado para atender àqueles que ainda padeciam do terrível mal da fome no país, o programa transformou-se num enorme e pesado guarda-chuva sob o qual hoje está cerca de 25% da população brasileira. Usa-se o dinheiro distribuído pelo Estado para tudo, além de se alimentar â€“ até para comprar smartfone, por exemplo, ou para reforçar o rancho do mês com cerveja e churrasco. Por ano, são cerca de R$ 30 bilhões gastos com o auxílio financeiro.


Nada mais racional, portanto, que fazer uma reorganização do cadastro e manter sob a tutela do Estado apenas os cidadãos que realmente necessitam. Não se trata de querer tirar o direito de consumir das classes de menor renda, mas elas precisam ascender a pirâmide social através do desenvolvimento econômico e social, e não pelo assistencialismo estatal. Só assim o processo será sustentável, e não passageiro, como ocorreu com os atuais programas sociais. O fato é que o dinheiro acabou, o governo não tem mais como continuar bancando todo este gasto. O corte é questão de necessidade, não de opção, conforme vínhamos prevendo em nossos artigos sobre o tema.


Palavra


Agora é necessário que o ministro e o governo cumpram o que estão prometendo, principalmente em relação à maior transparência da máquina pública. O Brasil não pode mais conviver com políticas obscuras de gestão administrativa e financeira, como ocorreu nos últimos anos. Estruturas públicas como o BNDES, o BB e a Caixa não podem funcionar à sombra dos interesses particulares e/ou corporativos. Que os novos gestores informem, por exemplo, como ocorreram as operações financeiras carimbadas pelo governo como confidenciais, principalmente aquelas destinadas a transferir dinheiro para Cuba, Venezuela, Bolívia e outras repúblicas bolivarianas, além de republiquetas ditatoriais da Ãfrica. Afinal, o dinheiro usado na camaradagem entre companheiros é do povo brasileiro, não dos camaradas que fizeram a gastança.


Dissimulação


Sabe-se que essa gente do poder adora simular antagonismos para dissimular interesses comuns e escusos. Uma lógica que leva adversários ao confronto quando brigam pela chave do cofre e ao entendimento quando unem-se para esconder o lugar onde ela fica. Assim, fala-se e acusa-se quando se está do lado de fora do balcão, mas silencia-se e esconde-se quando se está dentro. É justamente esta lógica perversa que confunde o cidadão e permite às raposas estar sempre no controle do galinheiro.


São as reformas do Estado e da máquina pública, portanto, que transformarão o país, não a troca de Dilma por Temer. Esta poderá, no máximo, melhorar um pouco as aparências e produzir uma melhora momentânea. Com o tempo, contudo, teremos nova crise, faremos novo impeachment e experimentaremos novamente a frustração como remédio amargo para nossa ambição.




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