Análise em Foco > Personalidade
QUANDO O ESTADO GERA MAIS CUSTO QUE BENEFÃCIO
Sexta-Feira, 03 de Março de 2017

A despeito das virtudes do regime democrático e dos sistemas político-administrativos que dão sustentação a ele, não se pode deixar de observar também os vícios e desvios de finalidade que ambos trazem consigo. Do desperdício de dinheiro público pelo ralo da corrupção à imposição de regras e leis que muitas vezes contrariam os fatos, a realidade e o interesse público, a esfera estatal acaba se transformando em um mastodonte gigantesco que esmaga o cidadão como um elefante esmaga uma formiga.


Os escândalos mais recentes, através dos quais bilhões e mais bilhões do dinheiro produzido pela sociedade e entregue ao governo foram desviados, são a face mais visível desta distorção intrínseca da democracia e de seus derivados político-administrativos. Se, por um lado, fortalecem a mobilidade social e a liberdade de opinião, por exemplo, por outro criam castas de oportunistas que se instalam como parasitas em torno do Estado para sugar recursos públicos e se locupletar das riquezas produzidas pelo cidadão.  


Mas existe também aquela face menos visível da subversão de ordem promovida tanto pela democracia quanto pelos sistemas político-administrativos que dela derivam. Tomemos como exemplo a polêmica lei que obriga motoristas a andarem com o farol do carro aceso durante o dia nas rodovias do país. Ela contraria uma série de lógicas e estatísticas, mas foi imposta mesmo assim para a sociedade, a toque de caixa, para supostamente resolver um problema que não resolveu simplesmente porque não pode resolver.


Números


Vejamos as estatísticas de acidentes e mortes no trânsito. De acordo com a Associação Brasileira de Prevenção dos Acidentes de Trânsito (Vias Seguras), que faz levantamento anual com base nos dados do Datasus/Ministério da Saúde, houve redução significativa no número de mortes por acidentes de trânsito desde 2012, com pico acentuado de queda entre 2014 e 2015, quando o índice foi o mais baixo desde 2007. Em cinco anos, foram 7,5 mil mortes a menos nas rodovias do Brasil, redução de 16,7%. Ãndice bastante significativo quando se fala de vidas humanas e do prejuízo que este tipo de ocorrência causa para os cofres públicos e para a sociedade – no site da Vias Seguras é possível conferir mais estatísticas sobre acidentes e mortes no trânsito.


É preciso aguardar os dados de 2016 para se ter ideia mais aproximada do impacto que a lei do farol aceso pode ter tido nas estatísticas, mas, até o momento, presume-se que tenha gerado mais arrecadação, através de multas, do que redução de acidentes e mortes – que continuam ocorrendo em progressão geométrica no país, apesar da queda sensível dos últimos anos. Mas olhando-se para os números que antecederam a adoção do dispositivo, há um ano, em um dos primeiros atos de governo do presidente Michel Temer, não se vê nenhuma motivação estatística mais contundente para promulgar a nova lei. Não seria o caso, portanto, de investir na melhor compreensão das causas que levaram a uma queda tão significativa no número de mortes, para aprimorar métodos e aprofundar resultados? Na cabeça dos gestores públicos, pelo jeito, não. Mais fácil e lucrativo criar uma nova lei para gerar mais multas, mesmo que sua motivação e seus resultados sejam os mais questionáveis.


Outra estatística que contradiz a imposição da lei é a das mortes por rodovia. Segundo levantamento da revista Exame, que fez um ranking das rodovias que mais matam no Brasil, a BR-116, no trecho paulista, é a quarta que mais tira vidas todos os anos. Trata-se de uma rodovia duplicada, onde as colisões frontais não são frequentes  e os acidentes estão mais ligados a excesso de velocidade, falha humana e características de traçado, como sinuosidade acentuada, do que a condições de visibilidade, para as quais, teoricamente, a lei do farol aceso foi criada. Mesmo caso da BR-040, em Minas Gerais, ou da BR-101, em Santa Catarina, cujo trecho urbano de Florianópolis transformou-se numa espécie de avenida por onde passam mais de 100 mil veículos por dia e os acidentes são frequentes. São rodovias que, apesar de duplicadas, causam acidentes por deficiência de infraestrutura e, principalmente, por falta de prudência dos motoristas. Nelas, trafegar de farol aceso durante o dia faz pouca ou nenhuma diferença.


Infraestrutura


Mas a ampla maioria das estradas que mais matam no Brasil, evidentemente, é composta por rodovias de pista simples, muitas vezes sem acostamento, mal sinalizadas e, não menos raramente, carentes de manutenção adequada e estruturas auxiliares como vias marginais, elevados, passarelas e outros.


Por isso é muito difícil encontrar uma motivação, ou mesmo uma justificativa objetiva, para a adoção de uma medida como a exigência de farol aceso durante o dia. Pelo menos é o que mostram os números até o momento. Ela não resolve o problema, não traz nenhum benefício significativo para o cidadão. Foi apenas e tão somente um chute, nada mais do que isso. Algo na linha do “vamos fazer para ver no que vai dar, com alguma sorte dá certoâ€.


Definitivamente, não é disso que o brasileiro precisa. Ele precisa de soluções racionais e bem planejadas para seus problemas. Precisa de menos corrupção e mais bom senso na hora do gasto público; precisa de investimentos mais eficientes, para resolver problemas como o da violência no trânsito, da insegurança nas ruas ou da economia cambaleante, entre muitos outros que atormentam e dificultam sua vida; precisa que deixem-no ter mais autonomia para decidir o próprio futuro e para administrar o próprio dinheiro.


Redimensionamento


É por estes e diversos outros aspectos, portanto, que o Análise em Foco defende uma redução racional, equilibrada e bem planejada do Estado brasileiro, através de reformas estruturantes que o tornem menor e mais eficiente ao mesmo tempo. Rever o Pacto Federativo e o código tributário já seria um bom começo para este redimensionamento, deixando os recursos mais próximos de onde são arrecadados. Afinal, é bem mais fácil para o cidadão cobrar do prefeito e do governador do que cobrar do presidente, e com um cidadão mais vigilante, o gasto por si só já fica mais eficiente. Atribuir dispositivos para limitar o inchaço da máquina pública com nomeações seria outro dispositivo importante para manter o Estado sob controle, tanto do ponto de vista financeiro, limitando gastos, quanto político, já que as nomeações para cargos públicos são sempre um dos principais combustíveis para a barganha de bastidor, para o conluio eleitoral.  A reforma política, por sua vez, incluindo dispositivos como a cláusula de barreira, ajudaria a deixar o sistema um pouco mais confiável e menos volúvel.


Privatizar empresas e serviços públicos é outra medida que já se mostrou altamente eficiente no Brasil, a despeito de todos os senões e os poréns que ainda marcam a relação entre o público e o privado no país. Mas basta comparar a oferta de telefones e o acesso a dados de hoje, por exemplo, com aqueles de 20 anos atrás, quando a Embratel e suas subsidiarias regionais monopolizavam a oferta de telecomunicação. Ou andar por uma rodovia privatizada e depois compará-la a outra estatizada. Além disso, o mecanismo da concessão gera ainda o benefício de reduzir a estrutura estatal e com isso tapar alguns dos buracos por onde escorre tanto dinheiro na esfera pública, como se sabe – imagine quanto recurso teria sido poupado só na Petrobras se ela não fosse uma estrutura pública. 


Enfim, há uma série de medidas e dispositivos que podem ajudar o Estado brasileiro a ser mais eficiente e oferecer resultados mais consistentes para o cidadão. Seja regulando a distribuição de renda seja monitorando o mercado para induzir o crescimento, a esfera estatal precisa funcionar como um motivador do desenvolvimento, não como um inibidor, como ocorre hoje, em que o custo dos avanços obtidos supera, e muito, os benefícios por eles gerados.


Descentralização


O poder Legislativo, da mesma forma, precisa ser mais descentralizado e dar mais autonomia a estados e municípios para legislar de acordo com seus próprios interesses. No caso da lei do farol aceso durante o dia, por exemplo, é possível que algumas unidades da Federação optassem por não pagar o mico de criar mais uma lei inócua – para o cidadão, claro, pois para o poder público ela pode até surtir efeito como nova e providencial fonte de receita.


Vamos reformar o Brasil, portanto, para criar um país mais justo, desenvolvido e próspero. Vamos seguir valorizando nossa democracia e nosso presidencialismo, mas fazendo um uso mais racional e proveitoso deles. A escolha é nossa. Ou seguimos o rumo atual, que nos leva para cada vez mais perto do abismo, em todos os sentidos, inclusive o democrático e o presidencialista. Quem avisa amigo é.




+ Notícias
Todos os direitos reservados © Copyright 2009 - Política de privacidade - A opinião dos colunistas não reflete a opinião do portal