EDITORIAL AeF
Naquele que ficou conhecido como o golpe da madrugada, através do qual deputados federais desfiguraram o projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção, os brasileiros viram seus representantes – ou aqueles que deveriam representá-lo – atuarem mais uma vez em causa própria, e não de seus representados. Na calada da noite, enquanto o paÃs assistia perplexo à tragédia da Chapecoense, nossos nobres parlamentares votaram a toque-de-caixa uma proposta que deveria ser amplamente debatida com a sociedade, jogando novamente contra o patrimônio do cidadão e puxando a brasa outra vez para a sardinha das raposas. Ao retalhar o conteúdo do projeto, procuraram tirar dele o maior número possÃvel de obstáculos que pudessem dificultar a vida dos vulpÃdeos em novos ataques ao galinheiro.
Pior: ainda inseriram dispositivos que dificultam a vida das autoridades encarregadas de fiscalizar o poder público. Um verdadeiro escárnio com os interesses do cidadão*, uma demonstração derradeira e definitiva de que a eles só interessa*, mesmo, legislar em benefÃcio próprio. (*Trechos alterados após a publicação, para fim de adequação gráfica)
Ao Senado, que acaba de receber a matéria, agora cabe zelar pela imagem do Legislativo e restabelecer a base do que foi proposto através de um projeto de iniciativa popular com quase 2 milhões de assinaturas – cuja autenticidade foi questionada pela Câmara dos Deputados, aliás, como se fosse necessário fazer tal aferição para se reconhecer a importância do assunto. Ora, sabe-se muito bem que os brasileiros, ou grande parte deles, apóiam incondicionalmente qualquer iniciativa que dificulte a corrupção e preserve os recursos da nação. Não seria nem preciso 1,7 milhão de assinaturas para propor qualquer lei neste sentido. Bastaria que os legisladores tivessem bom senso, comprometimento e vontade de legislar em favor do cidadão, e não de si mesmo.
Pressão
Infelizmente, contudo, sabemos que não é isso que acontece, na maioria das vezes. Por isso a sociedade precisa mobilizar forças para exigir que seus representantes – ou supostos representantes – façam aquilo que é melhor para o cidadão, não para eles próprios. O Análise em Foco, que já defendeu de forma irrestrita as medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público com apoio da população, volta a defendê-las, tanto em espaços editoriais quanto nos comerciais. Acreditamos que, se quiser de fato evoluir, o Brasil não pode abrir mão de oportunidades como esta. Para fazer com que iniciativas como a operação Lava Jato deixem de ser uma exceção para virar regra, é preciso endurecer a legislação contra os corruptos, é necessário identificar e punir com mais rigor os contraventores, os saqueadores do dinheiro público, aqueles que tiram direitos do cidadão para se locupletar no exercÃcio do poder. Sem isso, dificilmente veremos o paÃs se desenvolver de forma sustentada.
Por isso as pessoas devem se manifestar, seja nas ruas, seja nos espaços virtuais. No site do Senado, por exemplo, há um link para quem quer apoiar as 10 Medidas Contra a Corrupção. A publicação pede que os senadores aprovem a Ãntegra da proposta. Com 20 mil apoios, passa a tramitar automaticamente como sugestão legislativa. Até o momento, entretanto, tem três apoios apenas, e o prazo para apoiar encerra em julho. Como se vê, o* cidadão parece ainda não ter desenvolvido o hábito de usar os espaços virtuais para fazer mais pressão sobre o poder, abrindo mão de uma ferramenta importante e eficiente de participação popular. Aprenda a ser um hacker do bem, explore estes espaços, dê sua opinião através deles, aproveite as ferramentas que eles disponibilizam, cobre dos agentes públicos que defendam o seu interesse e não o deles, seja um cidadão de fato, e não em tese.
Oportunismo
Quem se manifesta publicamente contra a reforma da Previdência, por exemplo, condenando uma iniciativa que pode acabar com privilégios do setor público e da esfera polÃtica, também poderia vir a público condenar o retalhamento das 10 Medidas Contra a Corrupção. Poderia pedir que a proposta seja reconstituÃda no Senado, onde irá tramitar agora. Autoridades e representantes polÃticos deveriam bradar também pelo combate à corrupção, não apenas por causas de cunho corporativo ou fisiologista. Senão fica parecendo que estão novamente olhando apenas para o próprio umbigo, em mais um daqueles surtos incontroláveis de oportunismo inconsequente.