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EX-SECRETÃRIO VAI COMANDAR AUDITORIA DO TCE EM PASTA DA QUAL JÃ FOI TITULAR
Quinta-Feira, 14 de Setembro de 2017

Se o Ministério Público, a Polícia Federal e até o Supremo Tribunal Federal, tão criticado por servir de foro privilegiado a políticos de estirpe nem sempre elogiável, têm adotado ultimamente uma postura mais alinhada aos anseios da sociedade e da opinião pública, os Tribunais de Contas dos estados e da União ainda estão longe de fazer o mesmo.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina não foge desta realidade, infelizmente. Em seu corpo de conselheiros, estão políticos de longa carreira, com extensa lista de cargos exercidos na administração pública e na hierarquia dos partidos. O atual presidente do órgão, por exemplo, é Luiz Eduardo Cherem (PSDB), que já foi vereador, vice-prefeito, prefeito e deputado estadual por dois mandatos, além de secretário estadual da Saúde – popularmente é bem mais conhecido como Dado Cherem. Agora, por determinação do Ministério Público de Santa Catarina, vai comandar auditoria nas contas da Secretaria de Saúde (sim, isso mesmo, a estrutura que ele próprio já comandou), mergulhada em um rombo de R$ 500 milhões que já afeta serviços públicos – em Blumenau cinco leitos de UTI acabam de ser fechados em um dos três hospitais públicos da cidade, responsáveis pelo atendimento de todo o Médio Vale do Itajaí, região com mais de meio milhão de habitantes. O raio-x na contabilidade da Saúde também terá o propósito de realinhar a gestão do órgão. Ou seja: a secretaria está precisando de um plano de salvamento. O TCE terá 90 dias para concluir o levantamento.

Outro conselheiro do TCE com carreira eminentemente política é Júlio Garcia, que nos últimos 20 anos exerceu vários mandatos de deputado estadual, além de trabalhar intensamente na máquina de campanha que elegeu diferentes políticos.  Há três meses, precisou ser chamado às pressas para ajudar a aprovar as contas do governador Raimundo Colombo (PSD) referentes ao exercício fiscal de 2016, aprovadas aos 48 minutos do segundo tempo por apertadíssimos 3x2. Garcia interrompeu as férias e voltou correndo para o tribunal, desempatando o jogo a favor de Colombo, que, depois de obter unanimidade em anos anteriores, este ano precisou encarar a bacia das almas na hora de ter as contas aprovadas – lembrando que Garcia tem relação estreita com o partido do governador, sendo citado em delações da Lava Jato como operador de suposto caixa 2 através do qual a Odebrecht teria doado dinheiro para campanhas de candidatos da legenda em Santa Catarina.

Percebe-se, portanto, que na prática são as raposas cuidando do galinheiro no Tribunal de Contas – incluindo o da União e de todos os demais estados. Com todo o respeito às pessoas e às figuras públicas do tribunal, e sem questionar sua idoneidade, parece lógico concluir que não faz muito sentido colocar gestores públicos e políticos para fiscalizar ações da administração pública e da classe política. Um ex-deputado federal não pode ser nomeado ministro do Supremo, por exemplo, ou procurador-geral da República. Não faria o menor sentido, por razões óbvias. É preciso o maior nível de isenção e independência possível em relação a agentes e atos públicos para exercer a função de fiscalizar as contas públicas, que é a principal atribuição do Tribunal de Contas.

Déficit da saúde

Em relação ao déficit monumental da saúde pública em Santa Catarina (que começa a se parecer ao de outros estados do país), a alegação é a de sempre: que a União repassa mais responsabilidades do que recursos para estados e municípios, ficando com a maior parte dos impostos e delegando a maior parte dos serviços a serem prestados à população. Sabe-se que isso de fato é verdade, pois o Pacto Federativo do Brasil é extremamente desigual e precisa ser revisto antes que leve o país à falência.

Mas sabe-se também que a falta de eficiência da administração pública não é exclusividade de Brasília e que os estados também dão sua contrapartida para fazer da máquina estatal um saco sem fundo voltado mais para o consumo de recursos do que para o armazenamento. Então é hora de parar com a lenga lenga do discurso e partir para a ação. E ação, neste caso, é pressionar o Congresso para que faça as muitas reformas de que o Brasil precisa, pois elas fazem parte do mesmo organismo e são todas igualmente importantes para o país. Neste cenário, governadores e prefeitos precisam estufar o peito, levantar a voz e dizer para deputados federais e senadores de seus respectivos partidos que sem reformas não tem mais conversa nem palanque – boa parte do approach entre eleitos e eleitores se dá através de ações do Executivo, então a abertura oferecida pelos chefes dos estados e municípios é fundamental para quem deseja se eleger ou reeleger.

A realidade é que o Judiciário precisa ser mais célere, o Legislativo mais confiável e o Executivo mais eficiente. Sem isso, o Brasil seguirá vivendo o drama do subdesenvolvimento, uma hora com um outra hora com outro no comando da nação. No fundo o sistema é o mesmo para todos e por isso acabam ficando todos iguais. Então é preciso rever o Pacto Federativo, reformar o sistema fiscal, realinhar a máquina administrativa, racionalizar o código civil e penal, criar um sistema político mais confiável e menos dispendioso, etc, etc, etc. Sem isso, passaremos o resto da vida reclamando sem chegar a lugar nenhum.

Transparência

Santa Catarina, que pelo menos ainda consegue respirar com a cabeça fora da água (por enquanto), precisa fazer sua parte no avanço destas questões. Buscar mais transparência, como vem fazendo o município de Blumenau, é um dos caminhos para isso. Hoje o estado oferece R$ 5 bilhões por ano em isenções fiscais para grandes empresas catarinenses, que, no entanto, não são conhecidas sob alegação de sigilo fiscal das mesmas – a famosa rede varejista que abriu filiais por todo o Brasil seria uma delas, comenta-se. Enquanto isso tem empresa de pequeno e médio porte fechando as portas ou se equilibrando na corda-bamba porque não consegue pagar todas as contas, enquanto o próprio governo alimenta um déficit colossal que aumenta ano a ano. Tem algo que não fecha nesta conta, conforme indica a lógica cartesiana.

Benefícios de qualquer natureza do poder público para agentes da iniciativa privada não podem jamais ser dados sob sigilo – assim como financiamentos do BNDES para outros países também não. Quem deseja obter benesses do Estado, que se submeta integralmente ao olhar da sociedade. Este é o preceito mais fundamental para a saúde de uma democracia e de um sistema político-administrativo.

Contraponto

Sobre as relações questionáveis de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado com o universo administrativo e político de Santa Catarina, o Análise em Foco procurou o TCE para que comentasse o assunto, mas até a publicação deste conteúdo ainda não havia obtido retorno.




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