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MUNICÃPIOS MOBILIZAM-SE POR FATIA MILIONÃRIA DE ARRECADAÇÃO
Terça-Feira, 03 de Outubro de 2017

OPINIÃO DO ANÁLISE

Camuflada como um camaleão, a mudança do código tributário blumenauense, que vai permitir à prefeitura cobrar imposto sobre serviços de streaming (entre os quais Netflix e Spotify são os mais conhecidos atualmente) oferecidos no município, passou silenciosamente pelos trâmites legais.  Pela importância do assunto, provoca estranheza a forma demasiadamente discreta com que foi tratado tanto pelo Executivo, autor da proposta, quanto pelo Legislativo, que a aprovou em Plenário.

Mas, embora com uma discrição quase injustificável pela amplitude do tema, tanto um quanto o outro agiu corretamente ao estabelecer a mudança. As grandes empresas da era digital, em sua maioria, hoje são gigantes corporativos que se espalham do dia para a noite, de forma quase onipresente, pelo globo terrestre, faturando bilhões em operações financeiras concentradas na matriz e pagando a maior parte dos impostos num único país. Assim, quando você consome os conteúdos oferecidos por elas, está ajudando o governo de outro país a ter mais dinheiro em caixa para investir em serviços e obras para a população.

Não há absolutamente nada mais justo, portanto, que taxá-los também no país onde prestam o serviço e vendem seus produtos – a normativa municipal, na verdade, foi só uma imposição de normativa federal, que instituiu a cobrança do imposto no Brasil (em Santa Catarina o município de Joinville também já encaminhou projeto que regulamenta a tributação do streaming). Nunca é demais lembrar também de que os serviços oferecidos através de streaming (compartilhamento de conteúdos através de internet fixa ou móvel) concorrem diretamente com estabelecimentos comerciais localizados nas cidades e taxados com alvará, ISS e todos os demais encargos e impostos municipais, estaduais e federais – e que geram mais empregos em nível local do que os concorrentes globais.

Em Blumenau a alíquota de tributação do streaming será de 2%, percentual que vai representar um valor pouco significativo para quem cobra e para quem paga o serviço, de forma que, possivelmente, nem seja repassado para o cliente – se o for, não inviabilizará a continuidade da contratação do serviço. Já para os cofres públicos a diferença vai ser grande:

– Serão R$ 18 milhões por ano recolhidos para o caixa do município – observa o vereador Bruno Cunha (PSB), que precisou encarar críticas duras nas redes sociais por ter votado a favor da cobrança do novo imposto.

Resistência

A opinião pública manifestou-se predominantemente contrária ao novo dispositivo, mas deve arrefecer esta resistência na medida em que perceber que ele não afetará a oferta do serviço. Mesmo assim, contudo, a sociedade deve permanecer atenta e vigilante para ver como esse recurso extra será utilizado pela administração municipal. Se for bem aplicado, dará a sensação de que o investimento valeu a pena e foi bem feito. Do contrário, trará enorme frustração, dando ao contribuinte a impressão de que passaram-lhe a perna novamente. E não é dinheiro de cachaça no universo das finanças públicas: no total líquido de receitas próprias do município, vai representar um acréscimo de aproximadamente 5%, percentual bastante significativo no atual ambiente de penúria das contas públicas.

A recente regulamentação de atividades ligadas à oferta de transporte individual de passageiros, incluindo o aplicativo Uber, foi outra ação correta dos poderes Executivo e Legislativo em Blumenau. Na prática, tornou tais ferramentas ilegais no município, pois autoriza apenas serviços prestados por veículos e condutores homologados por entidade reguladora do setor. Isso não impede, no entanto, que as empresas fornecedoras de soluções digitais e seus operadores locais busquem a regulamentação de sua atividade, atendendo às exigências e regras estabelecidas.

O mecanismo apenas iguala forças entre quem compete no mesmo segmento. Ninguém em sã consciência é contra a utilização das novas tecnologias e soluções de consumo, que ajudam bastante na construção de uma sociedade melhor e mais igualitária. Mas também não se pode ser a favor de regras diferentes para competidores iguais. Seria a mais perfeita definição de injustiça.

Blindagem

É importante notar ainda que o poder público também tenta blindar-se juridicamente ao regulamentar a operação deste tipo de serviço. Afinal, se uma pessoa sofrer um acidente ao tomar um taxi regulamentado, ela ou sua família poderão processar e pedir eventual indenização ao prestador do serviço, ou a órgãos competentes, que, por sua vez, também podem acionar os operadores da concessão do transporte para intimar-lhes à responsabilidade. Caso a mesma pessoa sofra o acidente no interior de um automóvel extra-oficial, como é o caso de veículos do Uber e demais aplicativos do segmento, poderá fazer as mesmas apelações, podendo eventualmente até acusar as autoridades por permitirem a circulação de veículos e condutores não qualificados. Já o poder público, neste caso, não poderia acionar ninguém para compartilhar responsabilidades, pois o acidente envolveria prestador não credenciado.  

O conceito de economia solidária é muito bem vindo e abre uma série de possibilidades para o futuro. Mas, num Estado de Direito e numa economia de livre mercado, é preciso que haja regras claras e iguais para todos, sob pena de se aprofundar diferenças e desigualdades.

Que as novas regras adotadas em Blumenau sejam bem vindas e bem monitoradas tanto por autoridades quanto pela sociedade, portanto, para que seus efeitos sejam os mais positivos e todos os blumenauenses saiam ganhando com eles.




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