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É PRECISO EXPOR OS PORQUÊS DA TRAGÉDIA, NÃO APENAS OS DETALHES SÓRDIDOS
Quinta-Feira, 07 de Abril de 2011

EDITORIAL AEF


Mais uma vez, parte da grande mídia brasileira deleitou-se com a cobertura de uma tragédia, entregando-se a uma abordagem superficial e sensacionalista do desastre carioca. O assassino dos estudantes foi transformado em vilão, o policial que o deteve em herói e as pessoas que testemunharam o triste episódio em coadjuvantes explorados à exaustão pelo roteiro bizarro e oportunista do jornalismo televisivo.


O senhor e a senhora que ajudaram a socorrer crianças ensanguentadas são entrevistados até começarem a chorar ou simplesmente cansar da entrevista. O governador e o prefeito aparecem para lamentar o fato ante os microfones da TV, com um semblante bem elaborado de pesar e comoção, enquanto os repórteres regozijam-se com o “ao vivo†para todo o país, tentando impressionar o editor com seu trabalho de inquisidor trágico.


Detalhes da tragédia são cansativamente narrados e reconstituídos: o calibre das balas, o tiro na perna, o desespero das vítimas, a ansiedade dos pais, a alma vil do assassino. Entre o começo da manhã e o fim da noite, detalhe por detalhe do circo de horrores vai sendo exposto, repercutido, reproduzido, propalado.


Até o momento em que todos esquecerão este episódio, para ficar à espera do próximo. Afinal, logo este assunto não dará mais audiência, e será preciso uma nova tragédia para que as equipes de jornalismo mostrem toda a sua competência e façam as emissoras ganharem – ou perderem –  pontos no Ibope.


A grande questão, contudo, passa longe das pautas: por que um sujeito como aquele vai armado a uma escola para fuzilar crianças indefesas? Como consegue fazer isso sem obstáculo nenhum?


Concluir que era louco ou fanático não basta, é mera redundância. Afinal, se todas as pessoas que apresentam algum grau de insanidade fossem assassinos em potencial, teríamos muito mais desastres como este. A questão, infelizmente, não é tão simplista.


A verdade é que Wellington Menezes de Oliveira não cometeu tamanha loucura apenas por falta de juízo. Ele tinha uma mágoa contida e dilacerante do sistema educacional que frequentou – no caso a mesma escola onde cometeu o crime. Um sistema educacional que, sabe-se, está falido e esgotado.


Professores mal remunerados passam longe de um envolvimento mais afetuoso e fraternal com os alunos, de uma proximidade maior com os pequenos cidadãos brasileiros que estão ajudando a formar. No topo da pirâmide, os gestores do sistema têm pouca ou nenhuma motivação – nem cobrança institucional – para reorganizar nosso modelo de educação.


Assim, muitos estudantes acabam vendo na escola um templo de insatisfação e sofrimento. Felizmente, a maioria deles não protagoniza atitudes vingativas como a de Oliveira.


Outro agravante que ajuda a explicar, em parte, a ocorrência de uma tragédia como esta, é a facilidade de se obter armas e munição no Brasil, notadamente nos grandes centros urbanos do país. Muitas vezes até com o envolvimento da polícia, cuja banda podre, sabe-se, tem no tráfico de armas um lucrativo “bicoâ€. Mas qual o problema, se esta mesma polícia agora apresenta à sociedade o sargento-herói Márcio Alexandre Alves?


Por fim, um terceiro aspecto, também ligado à desorganização do sistema educacional brasileiro: como um sujeito, sem credencial alguma, consegue apresentar-se a uma instituição de ensino como palestrante e seguir para a sala de aula sem nenhum tipo de checagem administrativa prévia? As escolas não têm nenhuma agenda oficial de eventos, nenhum controle de procedimentos internos?


Que se honre a partida daqueles pequenos anjos com uma mudança de paradigma dentro da escola e da sociedade. Só assim será feita a justiça que aquelas crianças merecem. Elas devem ser alçadas à categoria de heróis, não o sargento Alves, que apenas cumpriu seu dever – com muita coragem e profissionalismo, reconheça-se.


Descansem em paz, pequeninos, a partida de vocês há de não ter sido em vão. Quem sabe o Brasil volte a lembrar de vocês quando tiver uma educação de melhor qualidade e mais segurança nas fronteiras, por onde entram as armas que vão parar na mão de gente como o assassino carioca.


Se isso não acontecer, a morte daquelas crianças terá servido apenas para deleite da imprensa, infelizmente.




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