Análise em Foco > Personalidade
O PARAÃSO PRECISA SER REPLANEJADO, PARA NÃO VIRAR UM INFERNO
Quarta-Feira, 02 de Novembro de 2011

Poucos sabem, mas minha chegada a Blumenau foi na segunda metade da década de 70 por mera opção de vida. Morava em Florianópolis e estava à procura de paz, e Blumenau se mostrava excepcional opção: tradições germânicas (meu pai era romeno-alemão), povo culto, ordeiro, trabalhador, pacífico e algo acolhedor. Digo “algo†porque, à época, ostentava a fama de ser um pouco ‘fechado’ com os forâneos, algo como a defesa de uma certa ‘reserva de mercado’ para seus nativos, em atenção às tradições e cultura germânicas.


O certo é que, em meu particular caso, não houve qualquer impedimento ou dificuldade em passar a fazer parte da sociedade local, que adotei como minha desde o primeiro momento em que aportei à terra de Hermann Bruno Otto von Blumenau. Aliás, muito pelo contrário. Desde meu début social, o consenso local pareceu optar pelo acolhimento carinhoso a mim – salvo nada honrosas exceções, como é usual suceder em todas as sociedades.


Blumenau chamava-me a atenção por sua simpática e acolhedora estrutura citadina, com suas edificações do tipo enxaimel (lembrando-me passagens da minha infância na Alemanha, em casa de tias e tios), sua farta arborização, suas ruas e avenidas tranquilas, e um aprazível rio (usualmente manso) que cortava a cidade, onde ancorava o simpático vapor Blumenau II, onde se podia comer e beber de acordo com a tipicidade germânica, enquanto este suavemente percorria o curso de água até o ancoradouro rústico do Bela Vista Country Clube, na divisa com Gaspar.


Era, por assim dizer, um verdadeiro ‘paraíso travestido de cidade’ que, aos finais de semana, concentrava substancial volume de cidadãos (de ambos os sexos e de todas as idades) praticando a saudável rotina de caminhar pela rua XV (com seus filhos e animais de estimação), conversar, olhar vitrines e reencontrar amigos para um gostoso bate-papo, regado a um saboroso cafezinho ou a um gelado chope na hora certa.


Mas não tardou muito para começar a demonstrar sinais de esgotamento estrutural. Afinal, sua própria condição de atratividade e bucolismo tornou-se o principal chamariz para outros que, como eu, advinham de diversos lugares do país e até do exterior, conheciam e decidiam aqui fixar residência permanente, perseguindo alguns (que não era o meu caso) a máxima do ilustre general romano, Júlio César: “Veni, vidi, vici†(“Vim, vi, venciâ€). O amplo e reconhecido (nacional e mundialmente) parque industrial, associado a um comércio atuante e à carência em alguns setores importantes da prestação de serviços, dentre outros ‘chamarizes’, eram mais do que suficientes para motivar a vinda e permanência de outros forâneos.


O CRESCIMENTO SORRATEIRO E SILENCIOSO


E, silenciosa e sorrateiramente, a cidade foi crescendo em habitantes, expandindo-se geograficamente, multiplicando seus empreendimentos imobiliários, progredindo e modernizando-se enfim – fenômeno aparentemente natural à maioria dos centros urbanos que detêm riquezas naturais e humanas. Era o primeiro indicativo (ainda que incipiente e praticamente subliminar) do futuro caos que se avizinhava e ameaçava instalar-se, lenta mas inexoravelmente.


As destruidoras inundações de 1983 e 1984 deram lugar à criação da maior festa do chope do continente – a Oktoberfest, versão blumenauense da originária festividade alemã (realizada em Munique), nascida do esforço popular em apagar as agruras daquelas enchentes.  Uma década transcorrida desde a criação desta notável e atrativa festa do chope, a agradável e movimentada rua XV curvou-se diante dos novos apelativos mercadológicos trazidos pelo maior centro comercial, de lazer e de serviços da região: nascia o Shopping Neumarkt, a grande novidade do momento, um divisor de águas no âmbito negocial, de lazer e de serviços, pertencente à empresa imobiliária Almeida Junior, planejada e estruturada por este que vos escreve, em co-participação com o empreendedor e idealizador Jaimes Bento de Almeida Junior, nos idos de 1993. Blumenau já não era mais a mesma; estava alcançando a maioridade citadina e caminhava, agora célere e sedenta, rumo a novas conquistas – e a novos problemas, obviamente.


Mas o resplendor ameaçador do crescimento, ao contrário de servir como um alerta aos gestores da cidade, animou-os a incrementá-lo, chamando novos investidores, promovendo o município e sua pretensa capacidade turístico-gastronômica (digo “pretensa†porque, até hoje, ostensivas falhas ocorrem no funcionamento deste importante setor do turismo, sem uma reação ordenada, organizada, que as minorem e até excluam), expandindo seus horizontes de atratividade. Era uma espécie de ‘suicídio citadino a conta-gotas’, em médio e longo prazos.


UMA PENA FERINA, MAS CERTEIRA E OUSADA


Retornemos um pouco neste relato, para poder situar, agora, outro marco narrativo. Em inícios da década de 80, seguindo minha histórica prática de crítico (construtivo, óbvio) contumaz, decidi externar minhas opiniões através de artigos no Jornal de Santa Catarina. Em temáticas as mais diversas (mas principalmente voltadas ao social, ao político e ao jurídico), habitualmente já vinha expressando minhas ansiedades e opiniões em vários veículos da mídia nacional e internacional. Ao iniciar a fazê-lo, agora em sede local, era fácil prever que, como usualmente sói acontecer, passaram a render aplausos e indicativos de solidariedade, bem como também críticas negativas – ainda bem que os primeiros em maior volume que as segundas.


Em razão dessas minhas intervenções jornalísticas, acabou se formando um verdadeiro ‘clube de fãs’, que, embora desconhecidos para mim, me interpelavam em ruas e ambientes públicos, incentivando-me a persistir em meus escritos. Com uma “pena ferina, mas certeira e ousada†(como diria, em certa ocasião, o ilustre constituinte e ex-governador do estado, Dr. Antônio Carlos Konder Reis, em missiva a mim enviada, por ocasião de um artigo veiculado no “Santaâ€, contestando os gastos com a vinda do Santo Padre da Igreja Católica a Santa Catarina), nunca temi dizer a verdade e escancarar os fatos que saltavam aos olhos do observador mais atento, fosse para criticar duramente ou para elogiar quando de mérito. Se surgiram inimizades (o que pode ser considerado natural, até certo ponto do justificável), não é menos verdadeiro que o número de apoiadores sempre foi superior, indicando que estava eu trilhando o caminho acertado.


Um dos focos prioritários que fazia parte da minha agenda, era a (assustadoramente) crescente balbúrdia no trânsito urbano. Contestei, em não poucas oportunidades, a necessidade de proceder a uma reorganização do sistema viário, mediante um projeto que previsse o ‘isolamento’ do módulo central da cidade, criando vias alternativas para desafogar o volume de veículos nessa crítica área, e permitindo apenas a circulação de determinados veículos, em horários apropriados (como os de carga e descarga), e a implantação de um sistema de transporte (nesse módulo) público, bucólico e acorde com as características européias da cidade (a exemplo dos bondes em Zurique – Suíça –, São Francisco, New Orleans e Disneylândia – USA –, apenas para citar alguns), que atraísse o cidadão e o motivasse a se deslocar, no módulo central, por meio veicular público.


BOLSÕES DE ESTACIONAMENTO PARA HUMANIZAR ESPAÇO URBANO


Para tanto, minha proposta previa ‘bolsões de estacionamento’ estrategicamente localizados nos ingressos a esse módulo, podendo ser áreas horizontais ou edifícios verticais de estacionamento. Se o cidadão se dirigisse ao módulo central, seu veículo iria ficar em um desses ‘bolsões’ e os trechos restantes seriam feitos pelos veículos públicos. Um atrativo a mais e um convite a humanizar nosso trânsito, tornando convidativa a saudável prática de caminhar em dias ensolarados – sempre com a opção de utilizar o serviço público. As conexões viárias deveriam seguir um planejamento que desviasse o fluxo inter-bairros do módulo central, evitando os cada vez mais constantes engarrafamentos dentro desse módulo – dentre outras medidas preventivas e organizativas do sistema viário, a fim de humanizá-lo, atendendo aos anseios da sociedade em sentido lato.


Outra medida fundamental e prioritária, elencada em meus ensaios, se referia à localização do próprio módulo da cidade, em franca situação de esgotamento da sua capacidade de fluxo veicular. Em uma das minha visitas a Santiago de Chile e tendo em mente este detalhe de Blumenau, chamou-me a atenção um problema similar de trânsito, o que me levou a questionar moradores dessa atrativa e simpática capital. Segundo relatos de empresários e cidadãos entrevistados informalmente por mim, questões de poluição do centro antigo de Santiago levaram os planejadores urbanos a deslocá-lo para a ‘comuna’ (distrito) de Providencia, na região oriental da Grande Santiago. De avenidas largas e arborizadas, modernos edifícios empresariais, inúmeros Shopping Center de grandes dimensões, belíssimas residências em estilo europeu, tudo com o bucólico fundo da Cordilheira dos Andes, Providencia transformou-se no “centro nervoso†da capital, concentrando as grandes instituições bancárias e conglomerados financeiros, com farto estacionamento e, principalmente, região de contornos atrativos, humanos. Pensei: por que não aplicar tão inteligente estratégia à nossa cidade? Afinal, nossas regiões Norte e Noroeste (com seu distrito industrial) se prestam favoravelmente a tal desiderato, o que permitiria que o atual e tumultuado centro se transformasse no “antigo centro de Blumenauâ€, com largas e arborizadas calçadas, bares ao ar livre etc., tornando-o um atrativo “centro de lazer†humanizado. É claro que sua execução é de um projeto arrojado, mas, convenhamos, está se pensando no futuro e não nos remendos herdados do passado.


Frise-se, antes de prosseguir: nunca me arvorei na qualidade e condição de engenheiro viário e nem estou perto de sê-lo. Apenas, como cidadão consciente e comprometido, sempre estive atento (e continuo) aos problemas da cidade que escolhi para nela viver o restante da minha vida. Portanto, não desejo nem posso entrar em detalhes de análises técnicas (sejam superficiais ou profundas) neste sentido, o que, afinal, cabe ao Paço Municipal, por dever de ofício e de direito, fazer; afinal, são escolhidos e remunerados para isso.


Enfim, minhas pretensões e alertas nunca sequer foram atendidos, mesmo que com um simples convite à PMB para explanar minhas ideias – e explica-se: ainda era considerado um ‘estrangeiro’ e, ademais, não fazia parte do seleto grupo de apadrinhados políticos que soem compor o séquito do Alcaide, muitos por merecimento (sem dúvida), mas muitos mais, ainda, por puro interesse e determinação política. Durante a última gestão de Renato Vianna (1993-1997), o ilustre político trouxe a baila a ideia de fazer um ‘trem elevado’ para desafogar o trânsito nesse módulo central. Ataquei prontamente essa absurda ideia pelo “Santaâ€. Ademais de ser projeto de elevadíssimo custo, não coadunava com a tipicidade da cidade e, ainda, era dúbia sua validade como efetiva e eficaz solução ao problema viário. Fui (como não poderia deixar de ser) contestado e criticado ferozmente, pelos ‘defensores de plantão’ daquele séquito. Mesmo assim, minhas críticas jornalísticas continuaram a ocorrer, constantes e fieis aos meus valores e convicções político-sociais.


EIS QUE SURGE O BLUMENAU 2050, ENFIM


Até que então (e enfim), eis que surge o mega-projeto “Blumenau 2050â€, em 2008 e sob a chancela do prefeito João Paulo Kleinübing, o primeiro grande projeto com visão real (e exequível) de futuro – pelo menos, em tese. Algo que já deveria ter sido pensado em meados da década de 80, depois de assolado o município por duas grandes enchentes (em 1983 e 1984) – outro fenômeno que, nada obstante seja histórico, nunca motivou os governantes de Blumenau a procurar paliativos ou até, soluções definitivas.


Simplesmente, a cada elevação dos níveis do rio Itajaí-Açu, corria-se (como hoje) para minorar seus resultados e arcar com as consequências gravosas, não combater suas causas e nem tampouco projetar sua prevenção (talvez com canais de desvio do curso e do volume excedente do rio, antes que este avance, em épocas de cheias, aos módulos mais baixos e facilmente inundáveis).Mas, como já o disse, não sou expert nestes temas, apenas mero observador crítico e consciente, comprometido com o bem-estar da nossa cidade e do nosso povo, o que me impede de avançar nessa questão.


Se, de um lado, dito projeto (Blumenau 2050) parece ser arrojado, inovador e solucionador, coerente com as demandas e características da nossa cidade, de outro o vemos como algo praticamente intangível e dificilmente exequível, para tanto considerando que Blumenau, historicamente, parece ter assumido (ou melhor dizendo, parece ter-lhe sido imposta) a posição de “Branca de Neve†(dos famosos irmãos Grimm) ou, ainda, de “O Patinho Feio†(de Andersen), no sentido de sua relegação a um nível de importância indizível em termos de inferioridade, deprimente, tanto por parte das autoridades governamentais estaduais como pela federal, historicamente falando.


Aliás, em termos federais, o estado como um todo tem sido (também historicamente) desprezado ‘a olhos vistos’ sem que, em algum momento, nossos ‘ilustres’ representantes estaduais no Congresso fizessem algo de palpável e efetivo para inibir e até reverter tal insólita e torpe postura. Vale lembrar que, a despeito dos pomposos e eruditos (ou seria ‘marqueteiros’?) discursos dos nossos deputados estaduais e governadores que já passaram por aqui – e daqueles que ainda continuam a ‘reinar’ no ‘mundo mágico e do faz-de-conta’ chamado de “Os Três Poderes†(da lavra genial de Montesquieu), nada de efetivo e prático se alcançou (seja para Blumenau ou para todo o estado), salvo para os próprios e seus apaniguados, na prática peçonhenta, torpe e espurca de uma política danosa, egocêntrica e destruidora, socialmente falando.


Destarte: (a) se tivemos um prefeito (ora em exercício) que armou-se de coragem para propor e defender um mega-projeto nunca antes imaginado, em prol da nossa cidade, definindo-o para um horizonte arrojado de cinco décadas (coisa difícil, senão impossível, de suceder em termos políticos, sejam locais, estaduais ou nacionais); (b) se dito projeto, pela sua larga e complexa envergadura, demandará recursos elevadíssimos, bilionários, ademais de uma equipe multidisciplinar que o torne viável e exequível até sua completa concretização; (c) e se ditos recursos, justamente em razão da longa fila de zeros, dificilmente poderão ser alocados, seja em função da já propalada ausência de força política representativa no governo federal, seja decorrente da inépcia e falta de vontade política (ou melhor, ranço político) dos alcaides que ainda virão, nesse longo período futuro, seguindo a nefasta máxima de, propositada e invejosamente, pensar primeiro neles e depois no município para o qual foram eleitos democraticamente como gestores; (d) então, por lógica dedutiva e insofismável, estaremos diante de mais um ‘elefante branco’ que nunca irá sair do papel – o que, convenhamos (e lamentavelmente), é o natural destino dos bons projetos, como o que ora titula este artigo, enterrados pela falsa e ignominiosa política brasileira.


A sociedade blumenauense deve, primeiro, aplaudir (por merecimento) o projeto Blumenau 2050, por seu arrojo e visão de futuro – coisa difícil de acontecer com os nossos políticos, independentemente de cor partidária, de nível de atuação etc. –; deve também acompanhar e exigir sua implementação, fazendo uso de seu direito cidadão; deve contestar em uníssono, quando (e se) constatado que tal projeto persiste só no papel; de, enfim, lutar por seu bem-estar e o das suas famílias. Afinal, é o cidadão que alimenta a voraz e insaciável sede e fome de impostos, taxas e tributos, usualmente recebendo, como obrigatória contrapartida (que lhe é de direito), migalhas travestidas em serviços de péssima qualidade, obras transitórias ao verdadeiro estilo “tapa-buracoâ€, menosprezo do poder público, descaso pelos direitos cidadãos, entre outras mazelas mais que identificam, historicamente, nosso fazer político em amplo espectro. Não agir no sentido supra-exposta representará, seguramente, a total falta de compromisso do cidadão com sua cidade e com seu sistema de vida, perdendo integralmente seu direito como tal e cedendo-o, levianamente, àqueles que democraticamente elegeu para gerir a coisa pública. Agora, é a hora, a vez e a voz do povo que deve se pronunciar – ou calar para sempre e assumir as nefastas consequências da sua irresponsável conivência ou, ainda, do seu torpe silêncio.


Por Juan I. Koffler Anazco  (kolem@terra.com.br), cientista jurídico-social e orientador de doutorado



 


 




+ Notícias
Todos os direitos reservados © Copyright 2009 - Política de privacidade - A opinião dos colunistas não reflete a opinião do portal