O assunto é delicado, mas dele não se pode mais fugir. Incita paixões, provoca arroubos ideológicos, escancara antagonismos polÃticos. Mas é tão inevitável quanto polêmico. No 2014 que inicia, ano de Copa do Mundo no Brasil e eleição para presidente da república, o paÃs precisa se perguntar: até que ponto os benefÃcios financeiros distribuÃdos a mais de 20 milhões de famÃlias brasileiras interferem na decisão do eleitor e, consequentemente, nos rumos da nação?
Num contexto em que, de acordo com pesquisa recente, 60% do eleitorado considera necessário promover mudanças no comando do paÃs, é imperativo avaliar com profundidade a extensão dos efeitos causados pela fábrica de votos em que se transformaram os programas sociais do governo federal – bolsa isso, bolsa aquilo, Mais Médicos, Minha Casa Melhor e por aà vai. Será que ainda há espaço para se implementar as transformações que uma parcela tão significativa da população deseja? Sediando a maior fábrica de votos do mundo, o Brasil conseguirá gerir processos consistentes de alternância de poder?
O fato é que o paÃs não vai tão bem como dizem, qualquer cidadão com o juÃzo no lugar pode perceber. A economia cresce a nÃveis pÃfios, a inflação é alta, a indústria não inova nem desenvolve tecnologia, a educação não avança, o paÃs não se desenvolve com a velocidade e a consistência que se espera. A dÃvida pública é ascendente, as contas externas descendentes. Os serviços públicos são ruins, a carga tributária é escorchante e a infraestrutura mambembe.
Case de estagnação
Para qualquer lado que se olhe, o que se vê são sinais de uma nação que vai ficando para trás na corrida pelo desenvolvimento. Na era da tecnologia e da informação, o Brasil firma-se mais uma vez como um produtor de commodities. Somos craques em produzir soja, criar bois e extrair minério de ferro do solo, mas não sabemos fabricar carros, smartfones, computadores ou televisores, que não sejam de multinacionais instaladas aqui. Temos poucos ou quase nenhum case vitorioso de inovação e desenvolvimento de tecnologia com potencial para dominar o mundo, como ocorre com os asiáticos, por exemplo. A bem da verdade, entramos no século 21 como se entrássemos no século 20. No fundo, somos um grande e exemplar case de estagnação secular.
Ao invés de estabelecer polÃticas eficientes de desenvolvimento, o Brasil optou por entregar-se de corpo e alma a um populismo à Robin Hood, arrancando dinheiro a força da classe média, através dos impostos, e entregando-o de mão-beijada a estratos sociais que se deleitam com a distribuição farta de pão e circo. Este mecanismo, como mostram os números, já não é mais suficiente para desenvolver o paÃs. Enquanto projetos de poder sustentam-se sobre este pernicioso fundamento, explorando seu potencial eleitoral, o equilÃbrio social, econômico e até institucional da nação vai sendo perigosamente desafiado. A própria democracia termina desafiada quando a estrutura de poder que lhe dá sustentação sustenta também projetos polÃtico-partidários. Não é preciso ser um cientista polÃtico brilhante para constatar isso.
Debate urgente
Mas será possÃvel mudar este ciclo vicioso com os milhões de votos assegurados pela distribuição institucionalizada de esmolas? Esta é a grande questão do ano que inicia. Que as esferas de poder constituÃdas, assim como todas as demais instâncias oficiais de representação popular, possam se debruçar sobre o aprofundamento deste debate, que se faz tão necessário quanto urgente. De preferência, deveria ser o centro da disputa eleitoral.
Abram o olho, senhores, pois daqui a pouco será tarde demais e o gigante acabará morrendo enquanto dorme, depois de todos acharmos que ele tinha, enfim, acordado.