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COMUNISMO, SOCIALISMO, MARXISMO E ESQUERDA
Quinta-Feira, 09 de Janeiro de 2014

Por Thomas Madrigano e Filipe Rosenbrock, especial para o Análise em Foco


Ele morou por vários anos no mais ferrenho gigante comunista do Leste europeu (URSS) e também na Alemanha dos tempos do Muro de Berlim*. Hoje vive na caricatural Coreia do Norte, republiqueta pseudo-socialista governada pelo mimado e lunático Kim Jong-un, o jovem ditador que se considera uma divindade. Ele conhece a fundo o funcionamento do sistema que já disputou com o capitalismo a hegemonia global, até esfacelar-se rapidamente entre os anos 1980 e 1990.


Ainda assim, o embaixador brasileiro Roberto Colin refuta e pecha de comunista. Diz que muitas vezes confundem-no como tal, mas ressalta que de forma alguma se sente um defensor do regime originado pelo marxismo.


Em entrevista para o Análise em Foco, no final do ano passado, Colin analisa os fundamentos que levaram ao colapso das nações comunistas, comenta os atuais governos de esquerda da América Latina e cita Suécia e Alemanha como exemplo do que considera ser o nível mais próximo do que se poderia chamar de socialismo.


Como gosta de falar bastante, segundo ele próprio reconhece, fizemos apenas quatro perguntas e o deixamos à vontade para falar o quanto quisesse. Confira, a seguir, o que disse Colin em encontro ocorrido na Câmara de Vereadores de Blumenau:      


Análise em Foco Como foi a experiência de sair de Blumenau para virar um diplomata, embaixador do Brasil na Alemanha Ocidental (antes da reunificação), União Soviética (antes da fragmentação)  e, agora, na Coreia do Norte?


Roberto Colin: Bom, na verdade o caminho é longo, mas vou tentar resumir. Eu falo muito, mas vou tentar ser breve. Quando vivi em Blumenau eu tinha alguns hobbies. Um era música, o outro, por intermédio de um amigo que fez um curso por correspondência, lá no final dos anos 196O, era a eletrônica, que na época era muito atraente. Eu tinha parentes em Curitiba que me falaram de uma escola técnica onde eu poderia fazer o segundo grau (hoje ensino médio) junto com o colegial técnico. Meu projeto na época, então, era estudar engenharia eletrônica no ITA. Fui a Curitiba e fiz o curso técnico e até gostei, mas fui percebendo que essa área de exatas não era exatamente o que eu queria.


Eu ficava muito contente quando, depois de um dia inteiro de aula, das 7h30 às 18h10, eu ia duas vezes por semana estudar inglês e duas vezes estudar alemão. Achava que um engenheiro precisa saber línguas estrangeiras. Lá fui percebendo minha predileção pela área de humanas. Gostava de estudar línguas, literatura, historia, geografia. Houve um momento em que eu era representante de turma e levava as preocupações dos colegas à coordenadora, e um dia fui levar a minha preocupação: olha, estou numa dúvida, acho que não quero ser engenheiro, e preciso saber como canalizar melhor meu interesse por disciplinas da área de humanas. Aí ela me disse: você nunca pensou na diplomacia?


Nunca tinha pensado, mas comecei a pensar. Seria uma maneira de conciliar todos esses interesses, ela me disse. Veja como é interessante, no momento certo você ter tido uma pessoa que possa aconselhar. Aí ela me explicou que o acesso à profissão se dava por meio de concurso, para o qual era preciso estudar bastante mas que não havia nenhum gênio por lá*. Foi assim que eu me tornei diplomata.


Minha carreira de 32 anos é um pouco atípica, pois poderia ter servido em uns 10 países mas na verdade só servi em dois, a Coreia (do Norte) é o meu terceiro. Estive duas vezes na Alemanha, antes e após a reunificação, onde encontrei dois países muito diferentes, e na União Soviética e na Rússia, dois momentos também diferentes.


Estava há uns cinco anos na Alemanha quando minha mulher observou que estava na hora de fazer algo diferente, e sugeriu a Ásia, que hoje é o centro geopolítico, geoeconômico do mundo, uma área interessante, de antigas culturas. Achei complicado, pois são línguas que não teria mais idade para aprender, além de estarmos falando de culturas impenetráveis. Já tinha conhecido a China, e sabia que isso é complicado. Duas semanas depois, o ministro Antônio Patriota (ex-titular das Relações Exteriores) me telefonou e me convidou para ser embaixador na Coreia do Norte. Eu aceitei na mesmíssima hora. Entendi que seria um desafio extremamente importante.


A equação da Ásia do Leste não está pronta sem a Coreia do Norte, que é o elo perdido, uma coisa que está faltando, um problema que não se soluciona desde 1945, junto com a questão palestina. É uma das questões mais antigas da agenda internacional a esperar por uma solução. O Brasil entende que, por sua história pacífica, por sua vocação para a paz, pode contribuir de maneira positiva. Por isso, não só estabeleceu relações diplomáticas, como decidiu abrir uma embaixada em Pyongyang (capital do país). Queremos ajudar a Coreia do Norte a se integrar à comunidade internacional para tornar-se um país menos hostil e mais previsível. A política dos países ocidentais – europeus, EUA e a própria Coreia do Sul – de isolar e confrontar a Coreia do Norte, além de não resolver o problema, só complicou a situação.


AeF O Sr. viveu na Alemanha na época da Alemanha Oriental e depois na União Soviética. Os regimes caíram e os países tomaram rumos diferentes. A Alemanha se unificou e tornou-se um importante país da União Europeia, hoje o mais sólido economicamente. Já na União Soviética o regime comunista caiu mas a gente sabe que a KGB e os ex-agentes ainda são quem domina o país e bastou cair o comunismo para surgir o maior número de milionários per capta. Qual caminho o Sr. acha que a Coreia do Norte vai tomar: ela vai adotar um liberalismo, como a Coreia do Sul, ou vai virar um regime politicamente comunista mas com um capitalismo de Estado, como a China?


Colin: Excelente pergunta. O que normalmente se pergunta é por que motivo ela (a Coreia do Norte) não segue o caminho chinês, ou do Vietnã, que são países em que o partido comunista continua no poder mas os países são tudo menos comunistas*. É impressionante, a China acho que é um dos países mais capitalistas do mundo. Um capitalismo selvagem mesmo, de exploração, trabalho ao sábado, domingo, não há mais educação e saúde grátis, que era a grande proposta dos países socialistas.


De fato tanto na União Soviética quanto nos países socialistas da Europa oriental, quando acabou o regime socialista as elites que lá estavam se beneficiaram muito disso e se tornaram as novas elites. Então porque a Coreia do Norte também não pensa nesses termos? O que ocorre é que existe a Coreia do Sul. Se forem feitas reformas isso significa abertura, contato com o exterior, e aí virão informações sobre a Coreia do Sul e os norte coreanos descobrirão que o vizinho é um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo. Aí o regime do Norte perde a legitimidade, pois se está prometendo coisas desde 1945 e não se cumpre, é porque não funciona.


Foi assim na União Soviética, o Gorbachev (Mikhail, ex-primeiro ministro da URSS) tentou reformar o socialismo (através da Perestroika e da Glasnost), para deixá-lo com uma face mais humana e tudo mais, mas, quando ele começou a abrir, as pessoas concluiram que o regime não funcionava, que queriam outra coisa. Assim, ele acabou se tornando parte do problema, e não da solução.


Então é muito pouco provável que, mesmo na hipótese da Coreia do Norte começar reformas, que aconteça isso, que a elite se beneficie disso. O risco é de um colapso do regime, e este é o grande receio que eles têm, a razão principal de eles não promoverem reformas. Mas o país está mudando, não é estático.


Mas há um outro motivo pelo qual eles não fazem o que a China fez. Quando Deng Xiaoping chegou ao poder, no final dos anos 1970, a situação da China era completamente diferente da situação da Coreia do Norte hoje. A China já tinha estabelecido relações diplomáticas com os EUA, com o Japão, que logo se interessaram em investir na China, nessas zonas econômicas especiais. A comunidade chinesa espalhada pela Ásia investiu muito, queria que a China mudasse. Do ponto de vista ideológico, a China tinha acabado de sair da revolução cultural, que foi uma catástrofe para o país e quase acabou com o próprio Partido Comunista. Então aquela ideologia rígida que havia na época do Mao Tse Tung, muito parecida com o que há hoje na Coreia do Norte, já não existia mais. E também a China era, do ponto de vista geopolítico, muito mais importante para os Estados Unidos.


AeF O Sr. é um expert em socialismo e comunismo, por ter vivido em países como a Alemanha Oriental, a URSS e agora a Coreia do Norte. Considerando a fundação do Foro de São Paulo e a presença da esquerda no poder em praticamente todos os países (a gente tem a Venezuela, que se tornou um país caricato, assim como a Bolívia e a própria Argentina), enxerga algum tipo de conspiração socialista, se é que se poderia assim chamar, na América Latina? Ou é coisa de momento, simples coincidência?*


Colin: Bom, se é coisa de momento eu não sei, conspiração certamente não é. Quanto à conspiração socialista, esses regimes são de esquerda, são regimes que dão grande importância ao social. E pra isso não precisa ser nem comunista. As ideias já existiam até mesmo antes de Marx e acho que elas continuarão. Me faz lembrar a cena de um filme que vi, dito como verdadeiro pelo filho do Nikita Khrushchev (secretário-geral do Partido Comunista na União Soviética, falecido em 1977). Quando descobre que há uma conspiração para derrubá-lo, Brejnev (Leonid, líder da URSS entre 1964 e 1982), num momento de desabafo, já doente e velho, toma um gole de vodka e diz “socialismo, socialismo, neste país não há nenhum socialismo, nunca houve socialismo” *. E aí ele disse o mais importante: “Socialismo existe é lá na Suécia”.


Eu compartilho isso. Lá (na Suécia) existe um sistema realmente socialista, democrático, pluripartidário, onde é possível trocar ideias, não há um partido que domine. Nesses países o socialismo floresce *. E digo mais: A República Federal da Alemanha foi e é muito mais socialista do que foi a Alemanha Oriental, que, em nome do socialismo, da moradia grátis, medicina grátis, escola grátis, oferecia serviços muito precários gratuitamente, enquanto a Alemanha ocidental oferecia as mesmas coisas com qualidade muito melhor.


E aí vale lembrar que a Alemanha não tem uma constituição, ela tem uma lei básica, porque era pra ser provisório quando foi fundada a República Federal da Alemanha e a ideia era transformar numa constituição quando houvesse a reunificação. Como a reunificação foi muito rápida e não se queria perder aquela janela única na história (convocar uma assembleia constituinte seria muito complicado) mantiveram, fizeram umas emendas, mas a lei básica da República Federal da Alemanha a caracteriza como uma economia social de mercado. O que isso quer dizer? Que o social está antes do mercado. É uma economia de mercado, de livre iniciativa, capitalista, mas o social está acima de tudo.


Lembro-me que quando morei na Alemanha a primeira vez, minha vizinha, uma senhora idosa, chamava um táxi quando ia ao médico, e o taxi era pago pelo Estado. Se precisasse fazer óculos, era pago pelo Estado. Ah, mas eu quero uma armação prata. Tudo bem, aí você paga a diferença, mas o mais barato é pago pelo Estado.  


Temos que distinguir o que é socialismo, o que é comunismo, o que é marxismo e o que é esquerda. Isso aqui na América Latina eu acho que é uma reação, nós tivemos um período tão longo de ditaduras militares e de direita, então isso é um pouco de reação. E o que se vê é realmente a existência de grandes problemas sociais aqui na América Latina. Muitos países acreditaram, sobretudo no caso da Venezuela, do Equador, que são mais radicais neste entendimento, nesta via. Mas isso aí não é nem comunismo, nem marxismo. São regimes de esquerda que dão grande ênfase ao social. 


AeF Como o Sr. vê a execução do tio do ditador Kim Jong-un, no final do ano passado, após condenação sumária? Ele era considerado o número dois na hierarquia do poder, mentor do sobrinho...


Colin: Eu vejo na expulsão do partido e subsequente execução deste senhor, que se chamava Jang Song-thaek, o último passo, o passo mais importante, na consolidação do poder desse jovem líder Kim Jong-un, que tem 30, 31 anos, ninguém sabe ao certo. O que não se sabe exatamente é se isso significa que havia incertezas, se havia divisões graves, se de fato o poder do líder estava em risco ou não.


Eu penso que não. O que eu acho é que o tio do líder começou a ter uma agenda própria, tornou-se muito poderoso politicamente e até na área econômica. Com isso, descuidou-se e travessou a linha vermelha. Em um país como aquele, totalitário, é algo extremamante perigoso.


* Trechos alterados após a publicação, para fins de correção e aprimoramento de conteúdo. 


 




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