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GASOLINA SERIA MAIS BARATA SE PRODUÇÃO FOSSE MAIOR
Quinta-Feira, 16 de Janeiro de 2014

EDITORIAL AEF


A discussão é mais regular do que o ciclo de um relógio suíço original: quando o preço da gasolina está bom para o consumidor, está ruim para a Petrobras e leva a estatal a acumular prejuízos. Quando o valor do combustível fica bom para a petrolífera, elevando seus lucros e suas ações na bolsa de valores (como voltou a ocorrer nesta semana), quem paga a conta é o cidadão, que tem a renda corroída pelo inexorável gasto com transporte.


Por que cargas d´água parece impossível romper esta lógica perversa e onipresente? Por que raios não se consegue oferecer um produto mais acessível sem necessariamente dar prejuízo Ã  estatal? Por um motivo bem simples: porque a Petrobras joga dinheiro fora pela janela, assim como toda a esfera pública, e com isso não consegue empurrar o preço da gasolina para baixo através do aumento da oferta. Se todo o estardalhaço em torno da auto-suficiência em petróleo, feito à época da descoberta do pré-sal, tivesse sido convertido em um esforço para aumentar a capacidade de produção de derivados e tornar o Brasil menos dependente da importação de gasolina, o preço do combustível poderia ser menor e o lucro da famigerada estatal maior.


Efeito Eike


Imagine se o dinheiro que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) colocou na mão de Eike Batista para vê-lo jogar fora nas bacias de onde disse que tiraria milhões de barris de petróleo e metros cúbicos de gás natural, mas cujo sub-solo revelou pouco mais que algumas gotas, fosse investido no aumento da capacidade de exploração e refino da Petrobras. Talvez não fosse sequer preciso recorrer à ajuda estrangeira, como ocorreu, na hora de tirar óleo do fundo do mar. Adicione a esta conta outras montanhas de dinheiro torradas pela empresa com publicidade e patrocínios, por exemplo, que ainda produzem o contra-senso de estimular um consumo que, no final das contas, acaba dando prejuízo no lugar de lucro.


É mais ou menos o que faz a Venezuela, que tem uma das maiores reservas mundiais de petróleo mas importa gasolina (inclusive dos EUA, a quem chamam de satã). Como a estatal venezuelana PDVSA não consegue atender à demanda gerada por um preço irrisório de cerca de R$ 0,10 por litro, o país de Nicolas Maduro (cria do falecido Hugo Chávez), gasta cerca de 7% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com importação de gasolina e diesel.


Reducionismo


Por isso não se pode reduzir a discussão sobre o preço da gasolina e do diesel (o último costuma passar à margem da discussão, mas encarece o transporte e com isso também os bens de consumo – cerca de 40% do custo do frete brasileiro é composto por gasto com diesel) aos impactos que ele gera no caixa da Petrobras e consequentemente em seu valor de mercado. Isso pode interessar a meia dúzia de cartolas endinheirados e alguns pequenos poupadores que investiram nas ações da empresa (estimulados pelo governo aliás, que precisava de ainda mais dinheiro para gastar), mas certamente não interessa à ampla maioria dos brasileiros, interessados apenas em ter combustível mais barato sem a contrapartida nefasta do endividamento público.


Como está hoje, o grande símbolo do “orgulho nacional†é muito mais um problema do que uma solução, pois monopoliza o refino de petróleo e impõe aos brasileiros uma gasolina cara e de péssima qualidade – tanto é que o manual de carros importados recomendam você a só abastecer com gasolina podium (exclusividade da Petrobras, aliás), um pouco mais limpa e eficiente. E ainda torra centenas de milhares de reais em propagandas nas quais aparece como o motor do desenvolvimento do país. Definitivamente, não é bem assim.


Ensejo prático


O valor da gasolina também é um ensejo prático para uma discussão complexa: a inoperância, o peso e o custo da máquina pública no Brasil. O Estado está esgotado em sua capacidade de oferecer bons serviços, já não consegue mais satisfazer aos anseios da sociedade, tornou-se incapaz de fazer a vida das pessoas melhor. Está exatamente igual às extintas monarquias absolutistas, no prelúdio de seu epitáfio, quando mandavam à casa dos cidadãos mais carrascos para cobrar impostos do que emissários do rei para atender a suas necessidades.


Assim, ninguém mais aguenta, ninguém mais suporta. É peso demais para um povo já tão calejado carregar. O único aspecto positivo dessa realidade cruel é que o precipício está ficando tão próximo que daqui a pouco a mudança de rota será obrigatória, e não mais opcional. Aí, quem sabe, tirem da gaveta as reformas de que o país tanto precisa para não ir brejo abaixo.


O problema é que a ladeira está ficando íngreme demais, assustadoramente inclinada, de forma que, se demorarem muito a perceber o risco eminente, em breve será impossível escalar o paredão de volta. Abram o olho, senhores, dizemos isso não é de hoje. Mais precisamente há quatro anos e meio, que é nosso tempo de vida.




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